quinta-feira, 28 de julho de 2016

#100 Outras vidas

As palavras surgem na mente, mostram-se tal como querem ser conhecidas e o escritor plasma-as no papel. A inspiração não tem dono, ela paira no ar e vai sendo captada pelas mentes que sintonizam nas diferentes vibrações de tais ideias. O autor é aquele que se disponibiliza para aceitar tais vibrações e dar-lhes uma nova forma que ganhará vida própria a partir do momento em que começa a ser lida por outras pessoas. Essas pessoas ao lerem tais palavras, tais ideias podem ao sintonizar nessas vibrações sentir de verdade sensações que as podem transportar para outras realidades, para outras vidas.

#99 Culpa

Os pensamentos surgem incessantemente e no entanto agora era capaz de os observar, tornar ciente em si a ocorrência desses pensamentos e de como ela era o espaço onde eles se manifestavam. Ela sabia que não se limitava nesses pensamentos e que podia, através da sua atenção decidir quais eram mais importantes para ela e desse modo para aquilo que tinha de experienciar na sua realidade. Estava ciente de que era criadora da sua realidade, que tudo acontecia primeiro dentro dela e depois se manifestava na realidade externa. Isso levou-a a deixar de culpar os outros pela sua vida. 

#98 Algo superior

O desconforto era cada vez maior, a ideia de que a vida se resumia a casa trabalho, trabalho casa, num emprego das 9h às 18h, essa ideia era cada vez mais insatisfatória. Teria de haver algo mais interrogava-se ela, e essa ideia de que deveria de haver algo mais ocupava cada vez mais tempo da sua atenção. Ela era uma pessoa de fé, ainda que não tivesse nenhuma religião, ela cria que algo de superior existia, não sabia como o definir, mas nenhuma das descrições da religiões existentes na terra se aproximavam ao que ela sentia ser esse algo superior.

#97 Tal como é

De que serve estar ciente do que se é e deixar que tudo permaneça num estado de dormência. Deixar-se entregue à inação, entregue à procrastinação. Uma sensação de que se é uma fraude, que falta genuinidade. Desabafava ele junto do seu mestre. Mais do que ação nota essa sensação em ti, como ela se manifesta, tudo isso são estórias e mais estórias. Respondeu-lhe o mestre, continuando dizendo: e no entanto se está a ocorrer é perfeito que ocorra, quanto mais isso estiver presente mais simples se torna lidar com isso e aceitar que tudo é perfeito tal como é agora.

#96 Algo mais

Queria mais da vida, estava farta da rotina, sempre as mesmas tarefas, sempre as mesmas pessoas. Seria apenas isto que a vida queria dela? Sentia-se frustrada, desanimada. Acreditava que tinha muito para dar ao mundo, não sabia como, mas sentia que podia contribuir mais. A vida não podia ser só isto, era demasiado fútil o foco apenas no material, onde o último gadget era o selo que garantia um lugar especial na cadeia humana de valor. Nada disto a preenchia, tudo lhe parecia ilusório, não sabia porquê, mas a inquietude interna que sentia cada vez era mais intensa. Estava atenta.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

#95 Entender

Tudo passa, nada é permanente, tudo é movimento, tudo se transforma nesse bailando incessante que é a vida. As emoções surgem e partem, os pensamentos surgem e partem. As pessoas surgem e partem. Aquele que está consciente delas permanece igual, é o palco ilimitado onde todas as movimentações acontecem. Estas palavras que lês escrevem-se a si mesmas, debaixo dos dedos que pressionam as teclas do computador. O pensamento sobre o que é escrito, é posterior ao que é escrito, dando a falsa ilusão que é anterior e que controla o que é escrito. Confuso? Aquele que procura entender não consegue.

#94 Entrega

“Não vales nada”, “És um falhado”, “ O mundo não precisa de ti para nada, podes desaparecer que ninguém nota”. Estes pensamentos seguiam-se em catadupa na mente dele e ocupava toda a sua atenção, fazendo-o sentir-se cada vez mais pequeno, mais insignificante, a pressão no seu peito aumentava, como que o asfixiando, a visão estava turba, tudo parecia rodar. Uma sensação de medo tomava conta dele, seria isto a morte, interrogava-se. Seria este o seu fim? Deixou-se cair no pavimento que sustinha o seu corpo, ainda estava consciente daquilo que passava, das sensações que afloravam em si. Queria desistir. Entregou-se.

terça-feira, 5 de julho de 2016

#93 Perder o chão

Aquela que está a ouvir estas palavras não existe, procura por ela e verás que não existe. Estas foram as palavras dele que a fizeram perder o chão interno, literalmente. Tudo aquilo que ela acreditava ser, cessara naquele momento. O que antes seria um terror para ela enfrentar, pois a sua personalidade era o que ela mais valorizava e só a ideia de perder tal identidade era inconcebível para ela, agora pereceu e o que resultou daí não foi o fim, mas sim um novo começo, uma nova relação com aquilo que julgava ser a sua vida. Ela é vida.

#92 Ela é vida

Aquilo que ela acreditava ser revelava-se agora como a ilusão que sempre fora. Ilusão essa criada por si, alimentada pela sua atenção e projetada na sua realidade externa que se limitava a comprovar aquilo que ela criara e como fora ela que criara não tinha como não acreditar nas provas que criara. Esse ciclo incessante ilusório era agora evidente para ela, uma vez que conseguira sair do ciclo e observá-lo desde o espaço de consciência que é. Nada existe fora da consciência que é, ela sabe que o mundo não existe fora de si, ela é o mundo, é vida.

#91 Reparar na verdade

Os pensamentos eram incessantes, surgiam em catadupa na sua mente e ela sentia que se estava a perder, que estava a ficar louca. Só que algo nela incutia-lhe uma calma serena que lhe garantia que tudo estava bem, que nada havia a temer. E com essa sensação ela entregou-se à experiência que estava a viver. O que surgiu de seguida foi um distanciamento entre os pensamentos que havia estado imersa até então e como que se via a planar sobre esses pensamentos, e tal como surgiam, partiam. Os pensamentos aconteciam nela, ela era o espaço que os permitiam acontecer livremente.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

#90 Olhar de forma diferente

Chega, chega, chega, não quero sentir mais pena de mim. Estava tomada a decisão que mudaria a sua vida, ela sabia que não lhe interessava mais viver como sempre havia vivido até então. Só problemas e mais problemas e sempre sentindo-se indefesa, impotente para agir e resolver o avolumar de problemas que explicavam a sua existência. Se a vida lhe dava essas situações então alguma utilidade elas teriam e em vez de as rejeitar como sempre fez, ela decidiu olhar para elas de forma diferente, procurando ver essas situações tal como eram e não como ataques pessoais para seu mal.

#89 Ciclo incessante

A dor rasgava a sua presença na vida, queria que desaparecesse, que terminasse, de uma forma ou de outra, o que ela queria era o fim de tal dor ou então que terminasse a sua vida, nada mais fazia sentido, nenhum propósito a mantinha desejando viver. Cada recanto do seu ser berrava de dor, cada centímetro do seu existir clamava que cessasse. O que teria feito que justificasse tal sofrimento, que mal teria realizado para merecer tal castigo. Tudo ideias que inundavam a sua mente e no entanto eram essas ideias o alimento da dor que sentia, num ciclo incessante. 

#88 Insuportável

Houve um momento onde se deu o click, aquilo que antes lhe parecia insuportável era agora visto como suportável, porque de facto o estava a suportar, ela estava a lidar com a situação, ainda não tinha morrido, então estava a suportar aquilo que antes lhe parecia insuportável e essa ideia ressoou dentro dela de uma forma clara. A única diferença não era a situação que continuava a existir de igual modo e sim o modo como ela via essa situação. Sendo aparentemente um pormenor fazia uma imensa diferença no modo como se sentia perante a situação. Nada mais seria igual.

#87 Uma outra forma

Andava cada vez mais desgostosa com a vida que levava, o seu trabalho não a preenchia, apenas o mantinha por necessidade do dinheiro para pagar as contas, mas nada do que fazia a interessava mais, limitava-se a cumprir as suas obrigações, mantendo as rotinas. As mesmas pessoas que tinha de ver todos os dias, procurando não se importar com as suas manias, os seus trejeitos, que cada vez se tornavam mais insuportáveis. Na verdade essas pessoas comportavam-se como sempre se haviam comportado, era ela que estava diferente, aquilo já não lhe servia. Teria de haver uma outra forma de viver.

#86 Energia

Tudo começou numa troca de olhares, sem saber porquê, ela não conseguia tirar os olhos dele, mais do que atração física, aquilo que a impelia a manter o olhar era a energia que emanava dele, ainda que ela não o soubesse explicar então, algo nele apelava uma sensação de paz e harmonia no seu ser. Um breve sorriso dele fez com que despertasse e meio embaraçada desviou o olhar, e a sensação de paz que brotava do seu coração desvanecia a sua intensidade. Isso fez com que olhasse de novo na direção dele a ver se faria diferença. Havia partido.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

#85 Sensação de paz

Exaurida de esperança, descrente de que merecesse algo mais da vida, decidira deixar de resistir e entregar a Deus, ou quem quer que existisse, pois a descrença que sentia era tal, que duvidava que Deus algum existisse. No meio de tal descrença algo se tornou evidente e claro para ela, na verdade tudo se passava na sua cabeça, porque ao seu redor tudo permanecia igual, apenas os seus pensamentos mudavam. Uma ideia forte emergiu, a personalidade que pensava ser não era real, tudo não passava de uma estória. Simultaneamente a esta ideia uma sensação de paz aflorou à sua pele.

#84 Basta

Todos os planos falharam, nunca nada aconteceu como desejava que acontecesse, no entanto estava decidida a saber mais. Queria obter respostas para a vida que havia vivido até então, não queria desperdiçar nem mais um minuto que fosse procurando alcançar os seus desejos para ver a realidade a desmontar cada um deles de uma forma sofrida para si. Basta, basta, basta, pensava, não quero mais isto, a continuar assim não vale a pena mais viver. Prostrada no chão da sua humilde casa, sem forças queria apenas perceber o que era esperado dela, o que Deus pretendia dela. Esperava um sinal.

#83 Procurar entender

Nada acontece por acaso e se a vida lhe havia dado tanta provações algum propósito haveria nisso tudo. Estava decidida a deixar de lutar contra as evidências, a vida queria algo de diferente para ela do que havia imaginado para si. Sempre pensara que teria uma família para cuidar, uma forma de a sustentar e que nisso encontraria a sua felicidade. No entanto nada disso havia acontecido ainda, levava uma vida precária, feita sobretudo de dificuldades, tudo era difícil para ela, nada conseguia sem grande sofrimento primeiro. Será que estava vedada a viver a felicidade que tanto desejava? Mereceria mais?

#82 Propósito

Perante tantas dificuldades que sempre teve de enfrentar ao longo da vida e farta de tanta luta, de tanto sofrimento, ela interrogava-se cada vez mais sobre o propósito disto tudo, a razão pela qual as coisas eram como eram. Teria de haver uma outra forma de ver as coisas, uma justificação para que tudo fosse assim como era e ela ter de passar tantas provações, só poderia haver um significado colado a tudo isto. De outro modo nada faria sentido, sem haver um propósito, nada faria sentido. Essa sensação preenchia cada vez mais a sua atenção. Tudo tem um propósito.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

#81 Dúvida

Ela pensava para si mesma, não sei o que há, não sei o que é verdade ou ilusão. E essa sensação permanecia com ela assaz tempo. Ocupava toda a sua atenção, mesmo quando fazia as suas rotineiras tarefas diárias, essa sensação de incerteza, de dúvida existencial estavam lá. Uma sensação estranha de que quem ela acreditava ser, não passava de uma ilusão. Sentia que não podia ser apenas aquele rosto que via no espelho, aquele corpo que se movimentava pela vida. Estaria a ficar louca, interrogava-se. Seria isso um sinal que se estava a afundar e que perderia a razão?

#80 Validação

Tinha que haver uma outra forma de fazer as coisas, uma melhor forma de agir para que a situação pudesse melhorar. Ela não tinha mais forças para aguentar tal situação, era insuportável continuar tudo igual. A dor perpassava o seu ser e não sabia como diminuir tal dor, tal sofrimento. E no entanto ela estava aguentando tal situação havia já muito tempo, na realidade, ainda que inconsciente, ela baseava a sua existência, a validação da sua existência, no suportar de tal situação. Ainda que dolorosa, essa situação era o ar que a alimentava e lhe dava uma razão para viver.

#79 Mudar

O julgamento estava sempre presente, tinha sempre que criticar o que estava a acontecer ao seu redor e como ela detestava que as coisas na sua vida não fossem como gostaria ela que fossem. Se ao menos as mudanças que tanto procurava incutir nas pessoas mais próximas produzissem alguns efeitos, mas ela achava que não havia emenda, aquelas pessoas não mudavam, nem por nada. Por muito que fizesse, por muito que chamasse à atenção e discutisse com essas pessoas, elas continuavam a ter o mesmo tipo de comportamentos que sempre tiveram. Tal como ela continuava agindo como sempre havia feito.

#78 Caminhando

Quando caminhava ela não caminhava apenas, mas sim estava envolta nos seus pensamentos. Nesse diálogo interno incessante na sua mente e do qual não tinha descanso. Sempre preocupada com o que tinha de fazer, sempre remoendo no passado e no quanto achava que a vida tinha sido injusta com ela até então. Ansiando por um futuro melhor onde pudesse conhecer alguém que a amasse de verdade, que cuidasse dela, pois ela estava cansada de ser ela a ter que cuidar dos outros e não ver reconhecimento algum. Pulando entre temas esse diálogo era interminável e no entanto a caminhada continuava.

terça-feira, 7 de junho de 2016

#77 A busca

Vagueando pelo mundo perscrutava cada recanto da sua mente em busca das memórias construídas com ela. Dos momentos em que teve a oportunidade de a amar verdadeiramente e de lhe mostrar isso mesmo. Só quando se perde aquilo que antes se dava por garantido é que se dá valor ao quanto tinha, ao quão feliz era. Mas a constante insatisfação, a procura do que não tinha, uma suposta ideia de perfeição inalcançável, porque de verdade quem busca apenas encontra a necessidade de continuar a buscar. Sendo essa mesma busca que impede de ver o quão perfeito e pleno já é.

#76 Amor- próprio

Só quando se viu na iminência de a perder é que tomou consciência de quanto a amava. Nem sempre soube valorizar suficientemente o que sentia por ela e fazê-lo refletir nas suas atitudes e comportamentos com ela. Era mais simples culpá-la de tudo e descartar responsabilidades, se ela quisesse tudo poderia ser mais simples, mas não, com ela, segundo acreditava até então, tudo tinha que ser como era suposto ser. Quando na verdade era ele que procurava forçar a realidade para que fosse como ele achava que deveria de ser. Não tinha ciente ainda que na verdade não se amava.

#75 Ilusoriamente reais

Num momento de lucidez vislumbrou a realidade tal como ela é. De facto a vida não conspirava contra si, ninguém deliberadamente agia para que ele falhasse. Tudo isso era resultado da estória que contava si mesmo e como tal procurava as evidências que a sustentava. Reparou que na verdade não havia esse alguém a quem pudessem acontecer tais injustiças, como pensava até então. Tudo aquilo que ele pensava e tudo aquilo que ele fazia, girava em torno de uma personalidade que não existia na realidade. Tudo eram estórias criadas sobre uma estória e só o apego as tornava ilusoriamente reais.

#74 Injustiça ilusória

Envolto nos seus pensamentos, mergulhado nas suas estórias, ele via como tudo começava a ruir à sua volta. E no entanto continuava a culpar os outros, as circunstâncias ou a falta de sorte, pela sua situação. Sentia que merecia mais, que a vida lhe era injusta e que se houvesse justiça ele estaria muito melhor do que estava naquele momento. Ele acreditava que tinha muito valor, mas o mundo não lhe concedia a oportunidade de o demonstrar. Se alguém reparasse no quanto tinha para dar, no quanto ele podia fazer a diferença na vida dos outros, tudo seria diferente certamente.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

#73 Sentir

O silêncio ocupava todo o espaço, tudo gravitava envolto nele. Uma sensação de estranheza emergiu nela, como que deixasse de ter identidade, aquela que pensava ser, parecia a ter abandonado. Um medo repentino irrompeu. Estaria a ficar louca, indagava-se. De novo o silêncio levava a sua atenção. Agora uma sensação de paz fazia-se sentir. Uma certeza de que tudo estava bem, que tudo era perfeito, tal como era. Não sabia explicar por palavras, mas tudo fazia sentido, tudo era pleno e só podia ser como era. As palavras, as expressões eram pequenas demais para descrever tal certeza. Deixou-se sentir.

terça-feira, 31 de maio de 2016

#72 Relembrar

Quando se desiste na verdade não significa que seja o fim, mas sim é o início de um novo tempo na relação consigo próprio, isto porque a vida nunca desiste de nós, a vida continua segurando as pontas com carinho, esperando que estejamos preparados para relembrar quem somos de verdade. Quando não parece haver mais saída, entregamos ao destino a nossa existência, exauridos de forças para tentar forçar a realidade para que ocorra como queremos que ela seja, o que acontece depois não é o término, mas sim uma libertação. Um relembrar que somos mais do que pensávamos ser. Plenitude.

#71 Queda

Estava decidida a fazer uma pausa, na verdade não tinha escolha pois as forças que ainda possuía haviam-se esvaído, a gota de água que fez transbordar o copo da sua resistência foram as palavras daquela que tinha como sua melhor amiga, quando esta lhe disse simplesmente não te aturo mais, estás impossível. Logo ela a quem tanto ajudara nos seus momentos menos bons e foram tantos esses momentos.  Agora virara-lhe as costas. Ingrata, pensou ela, quando precisares escusas de me procurar. E entregou-se a ter pena de si própria, culpando tudo e todos pela sua falta de sorte. Deixou-se cair.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

#70 Viver sem ti

Sem ti não quero mais viver. A vida termina a partir do momento em que me deixes, tu és a minha razão de viver. Disse-lhe ela, com os olhos marejados de lágrimas. Para, consegues escutar o que ditas boca fora. Tens noção do quão desorientada estás e que nada do que dizes faz sentido para mim. Respondeu-lhe ele. A tua chantagem emocional não me aprisiona mais. Deixei de ter pena das tuas teatralidades, a peça que levas a cena constantemente, já não entra em mim. Não tem reflexo algum naquilo que sinto por ti. Continuou ele sem sombras de remorso.

quarta-feira, 30 de março de 2016

#69 Liberdade

Uma dor aguda emergiu no seu corpo, normalmente teria de se fechar no seu quarto e desaparecer do mundo, até que a dor a abandonasse. Nada, nem ninguém a podia ajudar. Até agora. Ela havia tomado uma decisão de se libertar de tal prisão, o seu limite havia sido atingido. Estava farta de se submeter ao poder da dor. Agora escolhia enfrentar a dor, ver até onde chegava o seu limite. Permitiu-se observar a dor, de que modo se manifestava no seu corpo, que intensidade tomava essa dor. Conseguiu descolar da dor, ela estava lá, mas não a dominava. Liberdade.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

#68 Dentro

Ela descobriu o amor-próprio, resultado de inúmeras desilusões amorosas, umas apenas platónicas, outras não correspondidas e uma tentada e falhada. Ela já havia desistido de encontrar alguém que a amasse tal como ela se disponibilizava para amar. Para ela amar só era possível de corpo inteiro, entregava-se totalmente, daí que tenha sofrido tanto por amor. Sabia agora que não era assim, o que a fazia sofrer era essa sensação de incompletude, sensação de falta que projetava no outro na esperança que a completasse. Aprendeu que ninguém teve culpa pela sua falta de amor, pois ele sempre esteve dentro de si. 

#67 Amor não correspondido

Todo o amor não correspondido aponta para o verdadeiro amor e esse amor reside dentro de cada ser humano. É essa a sua essência. Como tal todo o amor correspondido é uma ilusão divergente da atenção do que é essencial, enquanto acreditarmos que outra pessoa nos pode dar o amor que cremos faltar, mais iludidos sobre quem somos estamos. A desilusão amorosa é um encurtar do caminho para a verdade. Seguindo esse caminho o quanto antes, mais livre ficamos para viver em pleno o amor que somos. Amor esse que nada exige, nada necessita e tudo partilha, seguro de si.

#66 Pulsão interior

Nada é suficiente quando desconhecemos quem somos de verdade. Essa ânsia por ser mais, por encontrar um amor real, leva a uma busca incessante. Cada rosto é perscrutado na tentativa de encontrar a tal, a tão almejada cara-metade. Pura ilusão, pois cara alguma existe pela metade, mas como esquecemos isto, a busca torna-se perene. Mesmo quando encontramos alguém que se voluntaria, ainda que inconscientemente, para representar esse papel, de alguém que nos completa, rapidamente essa pulsão interior faz emergir a busca. Não tem fim tal situação até que nada mais reste a não ser o próprio e as suas ideias.

#65 Insatisfação

A realidade em que vivia era insatisfatória, o que quer que trouxesse algum ânimo à sua existência era passageiro, em pouco tempo desvanecia tal satisfação e o que relevava com mais força era essa insatisfação crónica. Como era difícil viver a rotina do dia-a-dia quando tudo se tornava escasso, quando tudo ficava aquém do seu padrão de exigência. Nada parecia poder solucionar tal busca incessante por algo que fizesse, pelo menos diminuir tal insatisfação. Por mais que tentasse nada havia resultado. Um dia porém, um estranho dirigiu-se a ela e disse-lhe a paz que procura reside dentro de si, liberte-a. 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

#64 Estória

A dor perpassava todo o seu corpo, não havia pedaço dela em que a dor não se fizesse sentir. Mas o pior desta dor é que ela não é uma dor física, ela é inteiramente mental. E no entanto faz-se sentir de múltiplas maneiras nela. Sem saber mais o que fazer, como lidar com tal dor, ela havia decidido desligar-se do mundo. Fechando-se no seu quarto, enroscando-se em torno da dor que sentia, ela permitiu-se entregar à dor. Resolveu viver cada sensação, observar como se manifestava ao longo do seu corpo. Algo mudou, percebeu que tudo era uma estória acontecendo. 

#63 Pensamentos

Ela pensou: morreu a vida em mim que julgava viver, convencida que era o fim da minha história, que nada mais restava para mim, desisti. Prostrada no âmago do meu ser, entreguei-me ao destino. Não importa mais o que me aconteça, seja o que for, que aconteça rápido e que faça terminar este sofrimento, esta angústia de não saber, de não ter rumo que seguir. O que será de mim, não me importa mais. Cansei de viver esta batalha constante contra as adversidades. As forças que me restavam esvaíram-se. Não sei mais o que fazer. Como dói tudo isto. Silêncio 

#62 Entregue à verdade

A vida pensada abandonou-me, fiquei entregue a mim mesmo. Julgava ter ficado perdido e no entanto o contrário era a realidade. Livre do que pensava ser, o que restou foi aquilo que sou de verdade. O que parecia ser menos revelou-se abundância. Um entendimento de que tudo é perfeito assim como é, espraiou um manto de harmonia e paz em mim e em tudo o que me rodeava. Por fim podia descansar de uma guerra que havia batalhado a vida toda e que nem tinha a noção estar a travar. Quando o esforço de controlo acabou tudo ficou mais simples.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

#61 Vazio

Um vazio havia tomado conta dela desde o término da sua relação de quinze anos com o seu companheiro. Ainda não tinha assimilado totalmente a ideia de que havia terminado. As horas rotineiras apanhavam-na sempre esperando ouvir a voz e os gestos dele, no seu jeito único de ser. Os jeitos e trejeitos dele eram já parte dela, faziam parte da sua identidade. Ver-se sem eles criaram um vazio que tomava cada vez mais lugar na sua atenção. Desistir parecia ser a única solução. Ele já havia desistido dela e isso parecia-lhe a vida desistindo dela.

#60 Momento na tua vida

Chega um momento na tua vida onde colocas tudo em causa, onde questionas aquilo que fizeste até então, aquilo que alcançaste e tudo aquilo que ficou por fazer. Uns chamarão isso de crise de meia-idade, outros uma crise de identidade. Mas o que é um facto é que essas ideias apoderam-se de ti, ocupam a tua atenção a maior parte do tempo e tudo o resto parece perder o espaço para existir, parece perder importância. E quando questionas tudo, quando te pões em causa, uma de duas soluções ocorrem. Ou desistes da vida ou elevas o teu nível de consciência.

#59 Incondicionalmente

“Sei que criaste uma versão idealizada daquilo que é a nossa relação e esperas que eu desempenhe o papel que imaginaste para mim. No entanto eu sou real. Sou uma pessoa de carne e osso. Também tenho desejos e ideias sobre o que é o melhor para nós dois. E também sei, agora, passados todos estes anos contigo, que na verdade essas expectativas que criamos sobre aquele que é o papel de cada um nesta relação, só nos leva à frustração. Sei, agora, que deixando de cair as expectativas que tinha sobre ti, fiquei mais livre para te amar incondicionalmente.” 

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

#58 Elos eternos

As relações verdadeiramente não terminam, elas transformam-se, ganham novos contornos e isto é assim porque as relações não se limitam às personalidades que as executam. Os relacionamentos não se dão entre dois corpos e mentes que se entregam num determinado período no tempo, mas sim dentro de um espaço ilimitado de consciência tornando-se ciente de si mesmo através dessas múltiplas relações que dele brotam. As pessoas nunca se separam de verdade, seja qual for a natureza do seu relacionamento, seja qual for a duração do mesmo. Fica sempre grudado na história de cada um, pedaços de cada interação, elos eternos.

#57 Acabou

Algum dia a conversa teria de ter lugar, como as coisas estavam não podiam mais continuar. E esse dia era este. Pegou-lhe nas mãos e olhando-a nos olhos disse-lhe ‘quero resguardar as memórias felizes de nós os dois e temo que se continuarmos neste caminho de afastamento continuado, sem querermos enfrentar o que se passa entre nós, essas memórias possam ser substituídas por outras menos agradáveis. Mas tu e eu merecemos mais do que isso, aquilo que tivemos entre nós é precioso de mais, para ser deitado fora pela falta de coragem de aceitar que acabou. Mas a vida continua.’ 

#56 Rosto

Quando se procura ir ao encontro do que julgámos ser a vontade do outro, a expensas daquilo que somos, da nossa própria vontade, o resultado final invariavelmente resulta em frustração. Pois de facto apenas podemos enganar uma pessoa na vida, essa pessoa, somos nós. Quando procuramos ignorar o que somos para agradar a outra pessoa acaba-se por nem conseguir uma coisa, nem a outra. Porque não podemos deixar de ser quem somos. Por muitas máscaras que coloquemos, o rosto que sustem essas máscaras continua sendo o mesmo. Livre de máscaras o espaço, para respirar o Ser, amplia-se e tudo flui.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

#55 Ressentida

A sensação de que lhe faltava algo era uma constante que alimentava a sua inquietação e que se fazia sentir mais nos relacionamentos que ia tendo. Nenhum deles havia durado mais do que dois anos e invariavelmente culpava a outra parte pelo final dos mesmos, ficando ressentida pela falta de compreensão e de comprometimento que julgava que eles tinham. Em momento algum duvidou que havia dado o seu melhor, aquilo que ela acreditava ser o que eles queriam dela. Sempre fez o que era suposto ser feito, indo ao encontro dos desejos do outro, mas de algum modo era insuficiente. 

#54 Recomeçar

Ela não podia deixar de pensar no porquê. Qual a razão que motivava que os seus relacionamentos não funcionassem, por muito que tentasse, não conseguia fazer com que durassem. Inevitavelmente sempre que conhecia alguém interessante e que a fizesse entrar numa relação a dois, a sensação que terminaria estava, sempre silenciosamente, presente desde o início. Era como que uma fatalidade à espera de acontecer e isso fazia com que ela se inibisse de se abrir completamente perante o outro, preferia resguardar-se de algum modo, para que a dor da rutura não a consumisse por inteiro. Queria ter algo para recomeçar. 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

#53 Daquilo que somos

Quando ela desistiu de encontrar o amor, o amor finalmente ficou livre para a encontrar. Era a sua obstinada ideia do que era o amor que a impedia de ver que o amor sempre esteve ali para ela. Era ela que não estava disponível para ele. Deixando cair todas as barreiras que havia criada em redor do seu coração, este podia por fim mostrar-lhe o quão amorosa ela era. O amor não surge num qualquer acontecimento externo, ele não é algo que tenha de ser preenchido por qualquer outro ser. O amor é a essência do existir, daquilo que somos.

#52 Sem máscaras

No silêncio a vida respira livremente e o encontro de dois seres pode dar-se, sem máscaras, sem subterfúgios. Despidos de segundos interesses, o silêncio faz-se ouvir, espaço algum queda vago para as ilusões. Ele tinha feito a escolha de ser completamente honesto. Ou será que a honestidade o escolheu a ele? Nada ocorre por acaso na história de vida de cada ser humano e ele tinha chegado a um ponto onde havia desistido de tentar ser alguém que não era, nem nunca tinha sido. Cansa procurar estar à altura das expectativas que se pensa que os outros tem para nós.

#51 Amando-o

Quero muito amar-te, mas não sei como. Gostaria de ter a coragem de enfrentar o lado sombrio do meu ser e que me impede de amar de verdade. Julgo não ser capaz de amar de verdade. Será possível que algum dia o serei? Pergunto isto, não esperando que me dês uma resposta, porque resposta alguma será suficiente para consertar o que não tem mais conserto. Sou mil pedaços de um ser procurando um rumo e não quero arrastar-te para este limbo. Tu mereces mais, tu mereces vida, mereces quem nutra um amor pleno, um amor inteiro. E eu não te posso dar isso neste momento. Ela ouvia em silêncio amando-o.