quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

#60 Reflexo

Para ser aquilo que é a realidade não necessita se esforçar, a realidade que habita cada ser humano é independente das suas vontades conscientes ou inconscientes. A realidade, a vida que se manifesta em cada pedaço da existência é perfeita e simples, assim como é. Ela não julga, ela nada exclui, tudo é integrado.
No jogo do ego a ideia de limitação, a ideia da dualidade sempre perene, é condição necessária à tomada de consciência da consciência de si mesma. A vida que é perfeita e imutável só através da dualidade se torna ciente de si mesma. E nessa dualidade é o jogo do ego que a torna possível, consubstanciada nas diversas relações que se estabelecem entre essas diferentes ideias de limitação personalizadas em cada ser humano. Estes são reflexos da essência, da vida plena e como tal são perfeitos por natureza, ainda que na perceção limitada de cada um desses reflexos, possam julgar os restantes reflexos como imperfeitos, como incompletos. É no jogo desses egos, na sua interação que se estabelecem as condições perfeitas ao desenrolar das estórias que levem ao clímax da descoberta da verdade última, do relembrar da verdade da perfeição e plenitude da essência, da vida como um todo.
Todas estas personalidades, todos estes seres humanos e restantes seres vivos são biliões de reflexos da essência, da vida, são diferentes pontos de vista da essência sobre si mesma e todos esses reflexos são temporários, eles vem e vão, começam e acabam, para que esses diferentes pontos de vista sejam sempre novos, sejam sempre diferentes. 
Cada ser humano sendo consciente da sua existência, da noção de estar vivos são parte integrante da vida, eles são a vida e não algo que surge na vida. A vida de cada ser humano não é algo que aconteça de fora para dentro, algo que lhe seja exterior, mas sim algo que ele é em todas as suas dimensões, sem exceção. Ainda que não tenha disso consciência, ele não deixa de ser vida em plenitude. E o não ter consciência faz parte deste jogo de dualidade, pois não poderia existir o alto se não houvesse o baixo, não haveria o grande se não houvesse o pequeno. Só existe a noção de ligado pelo contraste do desligado, do conectado pela junção ao desconectado. Assim se aplica a todas as manifestações neste jogo de dualidade. O objetivo não é quebrar esse jogo, deixar de o jogar, mas sim aprender a desfrutar dele, a aceitar que ele é assim. E que assim sendo é perfeito. A ideia não é matar o ego, vendo-o como a raiz de todos os males e sofrimento do mundo, mas sim, integrar esse ego, essa ideia de limitação deixando de se apegar a esses limites. Desfrutando assim da aprendizagem que advém desse diferentes pontos de vista dessa imensa vida que todos somos, sem exceção. Cada ponto de vista é uma nova visão consciente, ainda que parcial do todo, e que serve de aprendizagem para todos os outros que com ele contactam, seja por muito ou pouco tempo.
Essa visão limitada do todo permite o prazer da descoberta, o deslumbramento do novo, permite a expansão do nível de consciência na direção da essência.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Remember love

Let go of story
Come back to life
Remember love

As it is

Without concepts
Freedom to be as it is
Seizing it all

Limited idea

Doubts arising
Limited idea
No boundaries 

Seeing clear now

Inner shadowing 
Light lite my path
Seeing clear now

Just thought

What I think
It's just thought also
Observing it

Nome próprio

Podemos compreender a vida como um imenso emaranhado de acontecimentos todos ligados entre si. Qual arame farpado com as suas arestas cortantes e gritantes quando nos enroscamos nela. Nesta existência o apelido ficou preso no arame farpado, ele representa senão um ponto de separação de algo que é indivisível em essência. Deixemos as farpas criar a ilusão de solidão, desviando a nossa atenção para a dor contida num nome próprio. Nada no entanto retira brilho da luz.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

#59 Reflexo

Daniela estava decidida a viver de verdade a sua vida e não apenas uma versão limitada da mesma. Um versão condicionada pelo medo de perder o controle, de deixar de ser quem é, porque de verdade quem achava ser não é senão uma versão limitada daquilo que é em essência. Imbuída de uma nova perceção sobre si, tendo ao final de todas estas sessões com o Ricardo e todo o trabalho reflexivo que encetou em si resultado num elevar do seu nível de consciência. Ela tinha agora uma perspetiva diferente da sua realidade, onde antes via limites, via condicionantes, hoje ela sabe que nada a limita, nada a condiciona a não ser a sua relação com a realidade, a forma como ela interpreta essa realidade. Realidade essa que não existe fora dela, não existe separada daquilo que ela é.
Ela estava decidia a agregar cada pedaço de si, a não excluir nada. Tudo aquilo que ela via como o seu lado sombra, como algo que preferia não lidar, que preferia esquecer, era agora algo que iria olhar de frente por forma a integrar em si, na sua vida, por forma a deixar de ser prisioneira daquilo que procurava ignorar.
Havia decidido passar mais tempo com a sua irmã, aceitando-a como ela é, vivendo num mundo que era o dela e que a Daniela sabia que não tinha o direito de a mudar, de condicionar o seu mundo, mas sim aceitar essa realidade, aprender com ela através da forma como ainda mexia com ela e trabalhar em si, todas essas sensações, todas essas emoções. Pois aquilo que dependia apenas de si era a forma como escolhia lidar com essa situação. Em vez de a renegar como sempre tinha feito, com medo de perder a sua identidade, podia agora escolher de novo, e com uma nova consciência olhar para a situação tal como ela é e desse modo descobrir quem a irmã era de verdade e não como tinha desejado que fosse.
Assim como finalmente as amarras do medo se haviam levantado e podia agora imaginar na sua vida espaço para a existência de crianças, sem medo de que possam nascer com qualquer tipo de doenças, confiando que o que quer que seja será para o seu bem, será sempre pelo melhor. 
As dúvidas que a haviam atormentado e que a tinha feito adotar uma atitude que poderia ser vista pelo outros como de alguma sobranceria, era a forma que tinha encontrado para lidar com esse medo de perda de controle, de perda de indentidade. Para se resguardar ela havia recusado correr riscos, havia-se confinado à sua zona de conforto que pudesse controlar ainda que isso significasse recusar viver muitas experiências que vida lhe propunha. Mas essa fase tinha terminado agora ela sabia que podia abandonar a prisão do conhecido, deixar a sua zona de conforto e arriscar no desconhecido. Agora tinha confiança na vida que existe em si e todas as coisas que a rodeiam.
Um ano depois desta última consulta com o Ricardo ela vivia feliz os desafios que a vida lhe colocava e que por vezes a faziam sentir triste e momentos de incerteza, mas a única certeza que tinha era que estava preparada para lidar com o que quer que viesse. E foi isso mesmo que a fazia nesse momento amar e cuidar do seu filho recém nascido, porque ela sabia que não podia controlar tudo o que acontecia, mas podia desfrutar em pleno cada momento da vida,tal como ela é. Não sentira mais necessidade de saber mais sobre si, de se conhecer melhor, não tinha pretensões de evoluir a sua consciência. Estava decidida a abraçar a vida tal como ela se apresentasse, sem necessidade de saber os porquês, sem ter de perceber tudo. Apenas vivia o presente tal como ele era.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Life occurring

Life occurring
I am all that appears 
Blissful enjoy 

Doubts

Doubts come in
Witnessing happens
Pure awareness 

Mystery of life

All emptiness
The mystery of life
Pure happiness 

From within

The true knowledge 
Come from within
Abide in it 

Always here

Where do I find?
It never been lost
Always here 

There is no one

There is no one
All emptiness here
Abiding peace

Witnessing

Witnessing moment
Life experiencing
All is within me 

Clouds

Clouds in the sky
Appearing. Disappearing
Ever present 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

#58 Reflexo

"Neste momento eu tenho ciente as mudanças que já ocorreram em mim, tenho uma nova perspetiva sobre aquilo que sou e o meu papel no desenrolar da minha vida em relação às pessoas que me rodeiam. No entanto a minha dúvida reside em saber até que ponto isto se manterá. Até que ponto estas mudanças são irreversíveis. Estando aqui em frente a si, sinto confiança naquilo que sou e na capacidade de lidar com a minha vida, mas não o terei junto de mim sempre. Será que isso se irá perder? Estas certezas que tenho, serão elas reversíveis? " 
As dúvidas da Daniela foram tidas em atenção pelo Ricardo e este respondeu-lhe:
"Aquilo em si que duvida, na verdade não consegue entender aquilo que já mudou em si. Esse sim será reversível. A Daniela possui em si todas as respostas para fazer face a cada desafio que a vida lhe coloque em cada momento. Esse receio de não conseguir manter esse estado mais ciente de si, mais conectado à essência, é uma mera ideia representativa do medo, o medo de perda de controle. Permita-se apenas observar esses pensamentos, essas ideias que surgem. E continue a prática do autoconhecimento, do auto questionamento. É uma ginástica mental, se quiser, que requer a sua prática, a sua vontade de persistir e desse modo cimentar as mudanças de perceção que ocorrem em si. Quanto mais pratica, mais confortável fica e mais confiança coloca nos efeitos que vai sentido. Uma vez ampliado o seu nível de consciência ele já não volta ao nível anterior. Abrindo a sua mente, esta já não volta a fechar, a regredir. Logo confie, acredite que o que tiver de ocorrer irá ocorrer e que seja isso o que for, estará preparada para lidar com isso."
"Sinto cada palavra que me diz. Cada uma dessas palavras reverbera em mim, no meu ser. Não consigo expressar totalmente aquilo que sinto, mas sei que é maior do que eu. E está sempre presente em mim uma serenidade. Por isso é que lhe expressei os meus receios de perder isto. Mas mais uma vez o que me disse trouxe ao de cima, à minha atenção essa serenidade que está sempre latente, que está sempre presente em mim, desde que iniciei este processo. Desde o primeiro workshop que fiz consigo."
Interrompendo-a Ricardo disse, "eu de verdade nada fiz, aquilo que sente, todas essas mudanças, não são resultado de nada que eu tenha feito, mas sim resultado daquilo que já existe em si. Que sempre existiu e que sempre existirá. Eu fui um mero reflexo da verdade que reside me si, um mero instrumento que apontou o caminho de regresso à verdade que é. À sua essência. Isto não significa que as dúvidas não possam surgir, que momentos de provação não voltem a surgir. Pois enquanto humanos isso é parte natural da nossa condição. Por muito conscientes da nossa essência estejamos, os limites humanos continuam a existir e é perfeito que assim seja, senão não o seria. Permita-se deixar de preocupar com o que poderá ocorrer no futuro, com a possibilidade de perder tudo aquilo que já reencontrou em si. Pois o futuro existe apenas sob a forma de pensamento, quando ele acontece é sempre presente. Apenas o agora existe. O futuro como plano útil pode ser usado, ou seja, para agendar uma reunião, para marcar uma consulta, para definir umas férias, etecetera. Já como algo que possa condicionar o seu presente ele não existe senão na forma de pensamento e tem apenas a importância e o valor que lhe dispensar. Mas aquilo que mais pode reter é que mais do que aceitar aquilo que lhe digo, mais do que entender e tentar que faça sentido para si. O que mais releva é que experimente por si, que o coloque em prática persistentemente. É através da prática, do treino que irá cimentar em si essa nova consciência de si e desse modo suplantar todos os medos. É a melhor forma de assegurar que não perde tudo aquilo que já conseguiu, porque de verdade não pode perder aquilo que sempre existiu em si, que é quem é. Apenas uma ilusão de limitação a fez esquecer quem é em essência, mas como todas as ilusões, chega um momento em que estas se dissipam e apenas a verdade permanece. A essência é imutável. E aconteça o que acontecer será perfeito para si e só lhe é pedido que esteja presente, plenamente presente de corpo e alma."
"Uma certeza assoma em mim e que me faz sentir serena e confiante na perfeição da vida como ela se me apresenta, como ela se manifesta naquilo que sou, naquilo que experimento em cada momento. Como este momento aqui consigo. Sinto que não poderia estar noutro lugar qualquer senão este. Tudo se organizou para que estivesse aqui neste momento e reencontrasse quem sou de verdade. Tenho em mim a confiança redobrada que aconteça o que acontecer tudo será pelo melhor, para mim e todos os que me rodeiam.
Eu estou eternamente grata por tudo o que fez por mim."
"Aquilo que pode fazer para me agradecer é viver plenamente a vida que merece, seja sincera consigo mesma, ame-se sem condicionantes e partilhe o seu amor onde quer que vá e tudo estará sempre bem."

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

#57 Reflexo

" Falou em perda de identidade como sendo um fim, passando a ser um mero vegetal. No entanto deixe-me lhe perguntar quem está consciente dessa identidade? Não responda de imediato, deixe que a pergunta mergulhe dentro de si e permita que a resposta, seja ela qual for, surja à superfície."
E assim fez a Daniela, cerrando os olhos, meditando na questão colocada, envolta numa serenidade que era presente naquele espaço. Como que se o tempo estivesse suspenso e nada mais existisse para lá daquele momento, daquele lugar, daquelas duas pessoas na presença um do outro.
A questão reverberava na sua mente e múltiplos pensamentos surgiam num incessante mecanismo para dar uma resposta imediata que justificasse a dúvida levantada. Pensamentos esses que por um lado diziam que era a própria identidade, a pessoa que estava consciente de si mesma. Que sem essa identidade a pessoa não existe. Por outro lado pensamentos surgiam que diziam que antes dessa identidade, dessa pessoa algo estava ciente dessa realidade. Os pensamentos tornavam-se uma amálgama sem conduzir no entanto a uma conclusão. E foi isso mesmo que ela partilhou com o Ricardo.
"Por um lado julgo que sem personalidade não há consciência e muitos pensamentos surgem que sustentam essa ideia. Por outro lado surge também a ideia, a sensação de que há algo que está ciente dessa personalidade, mas que não é essa personalidade, pelo menos não é apenas essa personalidade. Não sei se faz sentido estes pensamentos?Estas ideias?"
"Faz sentido na medida em que é o que surge, na medida em que é aquilo que se faz notar em si neste momento. E como sempre cada um de nós possui em si mesmo todas as respostas, para as dúvidas que surgem. Ainda que por vezes essas respostas pareçam ser contraditórias, na realidade essa contradição serve para testar a veracidade que é delegada a cada uma dessas ideias. Até que se dissipem as dúvidas e a verdade, que é permanente, que é imutável, prevaleça perante aquilo que irá mudar, pois o irreal não permanece, não resiste ao teste da dúvida. Simplificando, criando espaço na sua atenção através da observação a verdade faz-se evidenciar e o que é irreal se desvanece. Logo aquilo que é essa ideia de perda de identidade acabará por perecer perante a verdade que a constitui, perante esse espaço ilimitado de consciência onde se manifesta essa vida que é. Esse reflexo que cada ser humano representa na imensidão do absoluto."
"Sinto essas palavras que me diz como sendo sinceras para mim, como sendo lembranças da verdade que me habita. A ideia de consciência que observa as sensações, os pensamentos que se apresentam neste espaço que considero ser eu. Que essa consciência é anterior a essa ideia de personalidade. E no entanto a minha intuição diz-me que nada disso é necessário para mim, neste momento. Que tudo aquilo que já alcancei é o suficiente para apaziguar a minha existência e tudo aquilo que me havia atormentado ao longo da minha vida, esse medo de perda de controle, já se esvaiu. Na verdade essa sensação mostra-me que não preciso de procurar mais compreender esse medo, que habitando em mim, eu procurava ignorar, procurava através de uma vivência da minha vida sem arriscar, sem me comprometer, evitando assim lidar com esse medo de frente, na esperança que ele fosse embora, ou que pelo menos não afectasse a minha realidade."
"Esse medo só teve a importância que lhe atribuiu, foi a sua atenção que lhe concedeu força e condicionou a sua realidade por forma a evitar ser confrontada a lidar como ele de frente. E no entanto foi esse evitar lidar com o medo que a levou a viver uma realidade limitada e limitadora do seu potencial. Ao elevar o seu nível de consciência, com este processo de autoconhecimento e desse modo olhar de frente essa realidade latente em si, esse medo, que ainda que procurasse arrumar a um canto, voltava sempre para a condicionar, ainda que por vezes não tivesse consciência desse efeitos em si."
" Sim, sim, agora vejo que assim foi. Essa descrição resume bem o que tinha vivido até ter iniciado este processo. A sensação que me dá é que tudo valeu a pena. Pois a leveza que me preenche por estes dias assim o prova."
" Nada ocorre por acaso, só acontece o que tem de acontecer. Quando conseguimos descolar daquilo que temos como sendo a nossa realidade, como sendo a verdade sobre nós. Percebemos que existe um equilíbrio perfeito que une todos os acontecimentos da nossa vida."
" E agora o que se segue?"
" Segue-se o que tiver de ser. A realidade é perfeita e simples assim como é. Só precisamos de estar presentes para a vivenciar e com desapego pelos seus resultados. Porque afinal estas roupagens que vestimos enquanto humanos são temporárias na verdade. São instrumentos que nos permitem jogar o jogo da vida, o jogo da limitação. De outra forma a nossa essência, sendo perfeita, não se poderia experienciar a si mesma, senão através da limitação. Através do relacionamento entre esses reflexos que cada ser humano é face à essência."

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

#56 Reflexo

Cada momento é pleno por si só, logo as estórias que criamos sobre o que deveria de acontecer em vez do que acontece é um exercício de desperdício da nossa atenção. A realidade é plena, é total no momento presente, no agora. A cada um de nós, enquanto humanos, basta-nos estar presentes para desfrutar da realidade tal como ela é e assim ir ao encontro de nossa essência.
A Daniela já tinha essa noção presente no seu espírito, na sua mente. Muito devido ao trabalho que vinha efetuando em si mesma, desde que começou a fazer sessões com o Ricardo. Ela procurava estar presente o mais possível e quando a sua atenção era desviada do agora, rapidamente procurava ligar-se de novo. Tal como lhe foi dito e verificado por ela mesma, a forma como ela voltava a ligar-se de novo efetuava-se através da observação. Observando tudo aquilo que ocorria na sua mente, atenta aos pensamentos, mas sem se apegar aos mesmos. Sem os julgar, apenas estando ali para os acolher, apreender o que lhe traziam de informação e os libertar para seguirem o seu caminho. 
Através da prática, essa observação vinha-se tornando cada vez mais fluída, o seu tempo de reação tornara-se mais curto, do momento em que se deixava desconectar, por qualquer atividade humana, por qualquer atividade mundana, até que despertava e voltava à observação.
Ela partilhou isso mesmo com o Ricardo na sessão seguinte que teve como ele e que seria também a sua última sessão, ainda que o não soubesse nesse momento.
A Daniela descreveu todos os seus progressos ao Ricardo e como isso havia alterado a sua vida no dia-a-dia, tornando cada dia mais leve, mais fluído. Onde ela sentia que o conflito interno que antes se fazia notar constantemente em cada hora do seu dia, dera lugar a mais tempo de paz e serenidade. No entanto ainda tinha muito com que lidar dentro de si. Ainda sentia muita resistência a todas estas mudanças. Uma parte de si dizia-lhe que tudo aquilo não fazia sentido, que a insistir nesse caminho, o mais certo era terminar com a sua saúde mental afectada tal como a sua irmã.
Foi isso mesmo que ela disse ao Ricardo: " Tal como lhe descrevi até aqui, apesar de todas essas mudanças que são reais para mim. Não posso negar que recorrentemente sou sobressaltada pelo medo de perda de identidade, pelo medo de perder o controle sobre quem sou. E no entanto esses momentos são de menor duração, já consigo lidar com eles de uma forma diferente do que até aqui, até ter iniciado este processo de autoconhecimento. Já não me deixo aprisionar a esses pensamentos que me faziam rechaçar a sair da minha zona de conforto. Sempre preferi o que é certinho, o que me protegesse de sofrer, mas por outro lado essas mesmas coisas eram as que me impediam de ir mais além. Sinto que desperdicei muito do meu potencial de fazer mais por medo de perder. Por medo de me perder caso não corressem bem essas possibilidades que me foram surgindo e que repetidamente fui rejeitando. Dai não ter arriscado em ter filhos com o receio de que pudessem ser portadores de alguma doença do foro psiquiátrico. Dai que não tenha aceite me expor profissionalmente com medo de ser rejeitada pelos outros, como medo de falhar e ser encarada como incapaz. Sempre escolhi os caminhos mais fáceis para mim, mais seguros onde o risco estivesse ausente ou quase ausente."
Um momento de silêncio pairou na sala. Sendo quebrado pelo Ricardo inquirindo o seguinte: "De que forma isso que descreveu lhe afecta neste momento e o que alterou em si. Se é que alterou alguma coisa?"
" Aquilo que alterou verdadeiramente, é que já não me deixo afetar indefesa a todos esses pensamentos. A todas essas estórias que surgem na minha mente. E isso fui conseguindo através da prática da observação, tal como me recomendou. Os pensamentos surgem, sim porque continuam a surgir. Isso não o nego. Mas agora sei que não me definem e naqueles momentos em que esses pensamentos mexem comigo, o tempo em que fico submersa nos efeitos dos mesmos, é cada vez menor."
" Quando esses pensamentos que ainda mexem consigo surgem, como é que se sente? Que sensações e emoções surgem em si?"
"Quando estou totalmente identificada com esses pensamentos, o mais evidente é o desconforto que se debate em mim. Uma sensação de impotência perante o medo de deixar de ser quem sou, como se tudo acabasse. Um medo que mais do que morrer se poderá definir por deixar de viver. Deixar de viver tudo aquilo que poderei viver, mas tendo consciência disso. Quando se perde a identidade, julgo eu, que não se vive, mas sim se vegeta."


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Não

Não. Dizer não à vida, dizer não a este momento é negar a verdade que és. Com igual esforço que dizes não, podes escolher dizer sim. Não, não quero que digas que sim, porque me apetece. Não desejo que sejas aquilo que achas que eu quero que sejas. Não te peço que sejas mais do que és, não quando estás comigo. Não digo não, para ser apenas um não, digo-o para que não me negues mais. Não 

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

#55 Reflexo

"Tudo está bem como está, segundo me acabou de dizer. No entanto a necessidade de saber mais, a necessidade de me encontrar de verdade subsiste em mim. Deveria eu cessar todas essas buscas? Deveria me conformar àquilo que sou?" Arguiu a Sara.
"Quem é que tem essa necessidade?" Replicou de imediato o Ricardo.
Refletindo na questão, responde de seguida, " É a Sara, e já sei o que vem a seguir. É mais um pensamento que surge em mim. Sim, vejo isso. Mas confesso que é difícil estar constantemente consciente desse mecanismo automático que ocorre. Os pensamentos surgem, não tenho como os controlar."
" Exacto, nem é suposto que os controle. Até porque não há ninguém para os controlar. Os pensamentos surgem e tal como surgem partem. É a atenção que lhes dispensamos que os tornam mais ou menos longos, mais ou menos recorrentes. E no entanto o espaço ilimitado que é continua sendo como é, nada o altera, mesmo que um pensamento surja e diga que tudo mudou, na verdade nada muda, tudo permanece imutável. Apenas as perceções são mutáveis e a experiência das mesmas, o são, quando nos identificamos totalmente com esses pensamentos. Com essa ideia limitada de nós, o ego."
" Eu senti esse espaço, que havia referido, entre pensamentos. Como podemos fazer para que a consciência desse espaço seja maior?"
"Através da prática. Enquanto humanos estamos de tal forma identificados com essa personalidade que cremos ser a nossa, com o ego, que existimos num estado de dormência. Por si só nada tem de errado, faz parte das regras do jogo e no entanto alguns de nós, por diversas circunstâncias da vida, somos chamados a despertar dessa dormência. E isso ocorre por forma a sermos um exemplo para os restantes daquilo que é a essência, para sermos um reflexo do estado natural e real daquilo que somos. Ainda que esse reflexo ainda seja uma limitação, pois enquanto formos humanos, enquanto estivermos nesta dimensão, não poderemos plenamente vivenciar a essência que somos, pois este corpo e mente não podem suportar a plenitude do todo que somos de verdade."
"Falou em despertar, é isso que desejo, despertar de verdade. E nunca mais voltar a este estado de dormência. Quero deixar de sofrer, de ser criticada, de ser rejeitada, de ser abandonada." Dizendo isto com a voz embargada em emoção.
"O que acaba de referir é uma mostra dessa luta que o ego leva a cabo para manter a sua existência, o seu controle. Tudo o que referiu é puro ego, é um reflexo dessa ideia de limitação. Uma ideia de sofrimento, o medo de ser criticada, de ser rejeitada, de ser abandonada. Tudo isso é ilusório. Ou seja, não é aquilo que julga que é. A critica existe, a rejeição existe, o abandono existe... só não existe alguém que seja criticado, que seja rejeitado, que seja abandonado. Tudo isso é uma construção, uma estória recorrente, alimentada em contínuo. Tudo o que referiu são reflexos seus projetados na sua realidade e que servem como sinais que se dá a si mesma para que relembre quem é de verdade. Ninguém lhe pode fazer nada. Apenas a Sara pode fazer o que quer que seja a si mesma. E isso pode ter a forma de alguém na sua vida a representar esse papel criada dentro de si em primeiro lugar."
"Se é assim o que tenho de fazer para superar isso, para deixar de fazer estas coisas a mim mesma?"
"Mais que fazer é deixar de fazer, é fazendo menos que entra em fluxo com a sua essência, com a vida que é. A vida que é é simples e perfeita assim como é. Aceitando aquilo que é passa por estar presente em cada momento e isso não significa que não possa divagar nos seus pensamentos, pois eles continuarão a existir. Mas sim que passa a observar esses pensamentos, deixando de se identificar totalmente com esses pensamentos. Fazendo auto-inquérito, questionando a veracidade desses pensamentos, mas acima de tudo sendo o observador dos mesmos e desse modo entrando em contacto com esse espaço ilimitado que é. E isso levará o tempo que for necessário até que esteja preparada para realizar que não precisa de mais tempo para se relembrar em pleno tudo aquilo que é agora e que nunca deixou de ser. E sim pode existir uma ânsia que tudo ocorra mais rápido, mas levará o tempo que for necessário para que esteja preparada para lidar com isso."
"Existe um tempo mínimo para que isso ocorra?"
" Não existe tempo, pode fazer isso agora, se estiver preparada para isso. O tempo é uma realidade humana precisamente para permitir vivenciar todas as experiências que cada humana vem vivenciar. Quanto estiver verdadeiramente preparada e não é algo que possa decidir por si, se está ou não preparada. O despertar acontecerá como tiver de acontecer e não porque julga que o deseja muito. Estas sessões comigo são parte dessa preparação, não foi por acaso que veio até mim. Isto do seu ponto de vista, pois para mim resulta de igual modo, não é por acaso que veio até mim, também eu tenho algo a aprender consigo sobre quem sou. Somos todos Um em essência"
"Sim acredito no que me diz, sinto que é verdadeiro para mim. Que não foi por acaso que nos conhecemos e que de verdade me tem ajudado bastante a conhecer quem sou de verdade. Tenho hoje já uma perceção muito diferente daquilo que sou e do que posso ou não fazer por mim nesta busca por autoconhecimento."
"Tudo isto que trabalhamos nesta sessão terá o seu percurso normal, fará em si os efeitos que tiver de ter ao longo dos próximos tempos. Procure estar em consciência no momento presente observando o que ocorre, quer dentro, quer fora de si. Aceite os sinais que a vida lhe vai dando, pois ela é você a conversar consigo mesma."
Assim terminou mais uma sessão que seria o início do verdadeiro despertar do torpor de limitação da Sara.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

#54 Reflexo

Sara estava focada nos pensamentos que surgiam na sua mente, mais ainda nos espaços que surgiam entre esses pensamentos, tal como o Ricardo lhe havia dito para fazer. No início esse espaço era imperceptível, a torrente de pensamentos era tal que não conseguia ter consciência de espaço algum entre pensamentos. Mas ela perseverou pacientemente pois aquilo que lhe dizia que não havia espaço entre pensamentos era por si só mais um pensamento. Eram pensamentos sobre pensamentos. Sendo paciente, sem forçar, apenas atenta ao que surgia, ela ficou ciente da chegada e partida dos pensamentos. Pouco a pouco surgia na sua atenção uma pequena pausa de silêncio entre esses pensamentos e na medida em que se entregava a essa observação esses momentos de silêncio aumentavam de duração, sem que ela fizesse nada nesse sentido, apenas estava presente.
Ricardo sentado frente à Sara, observava a serenidade derramada pelo rosto dela. Os seus olhos fechados para o mundo exterior, permitiam um mergulho na imensidão do oceano interno. Ele apenas estava presente com ela, sincronizando a sua respiração com a dela, estabelecendo consciência dessa unicidade que é o estado natural da essência.
Ela abre os olhos e mirando nos olhos dele permaneceu por uns instantes em silêncio, num diálogo profundo de conexão onde não cabiam palavras. Estas seriam apenas ruído numa comunicação elevada em pura sintonia. 
Com um sorriso é quebrado por fim o silêncio baixando ao mundo das palavras para expressar a experiência que estava a ser vivida naquele instante.
" Tem razão naquilo que me disse Ricardo, de facto consegui colocar a minha atenção nesse espaço entre pensamentos. De início não havia espaço algum, mas depois lentamente e sem qualquer esforço ou resistência da minha parte, comecei a reparar nesse silêncio que envolve cada pensamento e como esse silêncio crescia. Tomando o palco da minha atenção."
"É precisamente ai que reside, que se encontra a sua -e de cada um de nós- verdadeira natureza. Esse espaço ilimitado de possibilidades infinitas, onde todas as manifestações ocorrem. Quanto mais cientes desse imenso silêncio criador mais conectado à essência estamos. Na verdade não estamos mais conectados mas sim mais conscientes dessa conexão, pois nunca deixamos de estar conectados daquilo que somos. Nada pode existir fora da essência, fora do absoluto."
"Eu tive essa sensação de completude quando a minha atenção pousou nesse espaço de silêncio entre os pensamentos. Nunca tivera eu, nestes anos de vida que levo, a mínima noção da existência de tal espaço em mim. Vejo agora que todo esse turbilhão de pensamentos no qual estava imersa plenamente a minha atenção, me impediu de reconhecer esse silêncio perfeito que habita em mim."
" Mais do que habitar em si, ele é quem é. Não há um eu onde esse silêncio possa habitar, é precisamente o contrário, ou seja, é essa ideia de eu que se manifesta nesse imenso espaço de silêncio. Esse espaço aberto, onde tudo existe, tudo se expressa. Nada é rejeitado. Todos os julgamentos, todos os conceitos criam a ideia de separação, a ideia de escala de valores, onde uns se arrogam merecedores e outros possam ser rejeitados. No entanto tudo o que acontece é perfeito que aconteça, porque é o que acontece. Nesse espaço ilimitado surge essa história de cada experiência humana interagindo entre si. Um mundo de ideias que se iludem de ser algo que na verdade não são. E no entanto isso é parte do jogo, é aquilo que permite à perfeição da essência se tornar ciente de si, se experienciar a si mesma, através dessas ideias de limitação. E é perfeito que assim seja. Assim pergunto-lhe de novo. Onde está a Sara?"
" A Sara enquanto algo que possa mostrar não existe. Agora sim, percebo isso. Aquilo que existe é uma ideia construída, uma história formada por um conjunto de conceitos que se foram arreigando ao longo dos anos e que criaram aquilo que hoje se denomina como Sara. Poderei dizer que a Sara é um conjunto formado por este corpo e pelos hábitos que estão enraizados na mente que o controla."
"Esse corpo, como referiu, já não é o mesmo que era aquele onde pela primeira vez se deu início a essa história da Sara. O corpo que habitava em bebé, depois adolescente e agora já adulta, não é o mesmo. A regeneração celular é permanente aquilo que se manteve foi esse espaço aberto, esse imenso silêncio que lhe atribuía uma noção de conjunto. O corpo é real, pode tocar nele, ele existe por si só, mesmo sem a história da Sara agregada a ele."
Interrompendo-o Sara diz "Como é que isso é possível, sem mim este corpo continuaria a existir!!! A Sara é este conjunto, corpo incluído."
"A Sara é apenas a história construindo em torno desses conceitos todos e que crê habitar esse corpo. Sendo apenas mais um pensamento. Sem esse pensamento, sem essa história de Sara o corpo continua a existir. A respiração acontece por si só e todas as funções do corpo acontecem por si só, não havendo quem esteja a controlá-las. O ver acontece, o mastigar acontece, o caminhar acontece. E no entanto surge um pensamento que diz que há uma Sara a fazer todas essas coisas, mas sem esse pensamento todas essas coisas poderiam continuar a ser feitas."
"Mas seriamos apenas mais um animal, aquilo que nos diferencia dos animais é a consciência, a racionalidade."
" Assim é. Aquilo que lhe estou a referir não implica que seja errado ter consciência, ter racionalidade. E mais uma vez reafirmo, não o é, porque é o que acontece. Ou seja os humanos são assim, é parte da experiência humana essa racionalidade, é aquilo que permite vivenciar as diferenças. Através dos contrastes tomamos consciência daquilo que somos de verdade. O que é importante referir é que essa mesma racionalidade pode nos aprisionar e que evidentemente é a mesma que nos pode libertar dessa ilusão de existir. Apenas nós nos podemos limitar, nos podemos condicionar, iludir de ser algo menos do que somos de verdade. Sendo a nossa essência ilimitada apenas a nossa ação, a nossa escolha pode criar a ilusão de limitação dentro desse espaço ilimitado. E isso é perfeito que assim seja, é parte das regras deste jogo de ser humano. Sendo bom saber que alguns de nós despertam dessa ilusão para relembrar aos restantes que independentemente do que acontece nada pode beliscar a nossa essência. Que tudo está bem como está."