sábado, 28 de dezembro de 2013

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

#44 Reflexo

O normal serve como disfarce para o medo de se olhar de frente, para o medo de aceitar a realidade como ela é. Era este normal que a Daniela procurava todos os dias. Quando as pessoas lhe perguntavam como tinha sido o seu dia, a sua resposta era sempre a mesma "Normal". Se lhe perguntavam como se sentia face aos acontecimentos variados que a vida proporciona, a resposta continuava a ser a mesma, "Normal".
Esta suposta normalidade resultava do medo que tinha sempre latejante de perda de controle, de perda de identidade. Era a sua fuga pará frente, por forma a evitar olhar dentro de si e resolver o impacto que a doença da irmã lha havia causado. Pensava ela que se empurrasse todos esses medos para o mais recôndito lugar em si, que não teria de lidar com isso e que a sua suposta normalidade poderia continuar a existir na sua realidade.
No entanto todo este processo que havia iniciado, desde que conheceu o Ricardo e a mensagem que ele veiculava. Havia mexido com ela de uma forma que não podia prever e muito menos controlar. Sentia que a sua vida normalizada estava ameaçada, estava em vias de extinção. E isso deixava-a ansiosa, deixava-a apreensiva sobre aquilo que o futuro lhe reservava.
Por outro lado uma revigorante certeza de que acontecesse o que acontecesse, ela estaria bem. Permitia que, ao contrário do que acontecera até então na sua vida, ela se sentisse compelida para seguir em frente, para enfrentar o que tiver de ser. Sem desvio, sem evitar o que quer que fosse. Estava recetiva a perceber até onde teria de ir, que surpresas lhe estavam reservadas pela vida.

Era dia de mais uma sessão com o Ricardo e a Daniela tinha o desejo que o tempo passasse depressa. Uma sensação de pressa de viver, havia-se apoderado dela. Sentia que a sua vida tem existido sob uma espécie de suspensão. Que de verdade mais que viver apenas tinha existido até ai, tal qual um autómato. Sentia, agora, que havia estado de facto ausente da sua vida, que tinha procurado sempre não sentir demasiado, não se entregar demasiado com medo do que dai pudesse resultar. Dai que a ideia de normalidade lhe conferisse uma certeza, um conforto. No entanto agora, tudo isso deixara de fazer sentido para si. Essa suposta normalidade era vista como um deixar andar, como se estivesse desligada da vida, apenas funcionando em piloto automático.


A sessão começou precisamente pela descrição de todas estas sensações que a preenchiam. Ela partilhou com o Ricardo estas ideias que tinha sobre o facto de ter concluído que na verdade não tem vivido a sua vida, mas sim uma espécie de versão normalizada da sua vida. Algo que ela classificou de amorfo e que ela justificava, agora, no seu medo de perder o controle. No medo de perder a noção da realidade, tal como havia ocorrido com a sua irmã. E que por isso mesmo aquilo que ela acabou por adotar para si, foi viver dormente, funcionando em piloto automático, como forma de se proteger. De proteger a personalidade que tinha como sendo a sua e que tanto cria preservar. No entanto, confidenciou ela, sentia que já nada mais era o mesmo. Que o processo - como ela gosta de o classificar - que havia iniciado a partir do momento em que o conheceu; esse processo já era irreversível. A pessoa que julgava ser e a vida que levara até então, não mais poderia ser de igual modo. Mesmo que quisesse, já não conseguiria voltar ao seu estado de "normalidade" anterior. Desconhecia onde tudo isso a iria levar, desconhecia o que quer que viria ao seu encontro. A única certeza é que nada mais seria igual.

Ela continuou dizendo "tudo isto que se tem passado comigo, toda esta reflexão que tenho feito. Fez reavivar memórias em mim que julgava enterradas. Vou-lhe confidenciar algo que nunca partilhei com ninguém. Naqueles anos em que se revelou a doença na minha irmã e que de algum modo revolucionou as dinâmicas familiares. Como forma de proteção, o isolamento era uma das minhas opções preferidas. Julgava eu então que desse modo me protegeria de perder, também, a noção da realidade. Ainda que as reações que perpassavam no meu corpo quando se dava mais um episódio de descompensação me sinalizavam que de facto essa proteção não era como eu desejava que fosse. Um exemplo disso eram os episódios que me ocorriam, por vezes, durante a noite. Em que eu acordava e como que sentia que outras vozes, que não a minha, se faziam ouvir na minha mente. Como se alguém diferente estivesse dentro de mim. Claro que isso era assustador para mim. Pensava se estaria a ficar louca, se estaria também a perder a noção da realidade. A minha forma de lidar como isso e fazer com que essas vozes cessassem era recitar vezes sem conta o meu nome completo, a minha data de nascimento e dos restantes membros da família. De alguma forma isso resultava, pelo menos para mim resultava e voltava a adormecer. De manhã quando despertava, ainda que me recordasse de tudo, sentia que tinha o controle total, que tinha a consciência plena de quem era."
" E o que lhe diziam essas vozes, recorda-se?" Perguntou o Ricardo.
"Não tenho memórias específicas do que diziam, pelo menos neste momento não me recordo de nada. A ideia que tenho é que era como se houvesse uma tentativa de dialogo entre essas vozes e eu mesma. A única coisa que me recordo e aqui não sei precisar quando é que essa frase foi dita, é algo do género 'ela ainda não está preparada'. Mas como eu fazia tudo para as evitar, não lhes dava atenção e tudo passava."
" E foram frequentes esses episódios?"
"Raramente ocorriam, tanto quanto me consigo lembrar."
" Do seu ponto de vista o que acha que essas memórias, que surgem neste momento, lhe querem transmitir, face a tudo o que me relatou de mudanças que sente que lhe estão a ocorrer?"
" À luz de uma nova visão de tudo isto e de acordo com tudo o que tenho lido do que escreve, mas acima de tudo, daquilo que sinto em mim. Julgo que essas vozes poderiam ser a minha consciência mais elevada a tentar comunicar comigo. A tentar que eu pudesse lidar com a situação de outro modo, que pudesse estar mais recetiva sobre o que tudo aquilo me poderia ensinar. Mas isso é sabendo o que sei hoje, naquele tempo, nada disto faria sentido para mim. Não teria a capacidade de o entender, julgo eu. As mudanças que se começam a refletir em mim tem a ver com uma visão mais ampla daquilo que sou e do meu papel no mundo. Acredito que nada acontece por acaso e que tudo pode servir para descobrirmos a verdade sobre quem somos."
"Referiu que se recorda de que essas vozes lhe teriam dito que ainda não estava preparada. O que acha que seria isso que não estava preparada para?"
Após uma pausa para absorver a pergunta e ponderar na resposta, disse:
"Eventualmente não estaria preparada para me conhecer de verdade. Para lidar com a realidade que estava presente naquele momento na minha vida. E que preferia ignorar, olhar para o lado, em vez de lidar com tudo aquilo de frente. De todas as formas interrogo-me se, sendo adolescente, poderia lidar com tudo aquilo. Se teria forma de agir de outro modo, de ver tudo aquilo de outro modo."
" A realidade diz-nos que não. Não estava preparada para o fazer. E sei isso, porque foi o que se passou. Segundo as suas palavras, preferiu tentar ignorar em vez de lidar de frente. E se quer saber, esteve certa a fazer isso, porque mais uma vez, foi isso que fez. A realidade esta sempre certa, tem sempre razão. Só ocorre aquilo que tem de acontecer e temos sempre a escolha de lidar com a realidade da forma que entendermos ser a mais adequada. E seja qual for as nossas escolhas, temos em cada momento a oportunidade de escolher de novo. De fazer novas escolhas e que serão as certas nesse momento para nós. A vida que somos cuida sempre de nós, dando-nos sempre aquilo que precisamos, mesmo que não tenhamos consciência disso."



segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

#43 Reflexo

A realidade em que cada um de nós vive é completa por si só dentro daquilo que cada um de nós perceciona como sendo quem é. Ou seja os limites que acreditamos ter condicionam aquilo que temos como a nossa realidade. E existem tantas realidade quanto o número de pessoas que vivem. No entanto nenhuma dessas realidades existe por si só, todas elas se interrelacionam, mas nenhuma delas condiciona o que quer que seja a essência. A realidade absoluta. Pois esta é imutável, ela é perfeita e inclusiva. Nada é excluído, tudo é vida a ser vivida de múltiplas formas, em diferentes manifestações do mesmo todo.
As estórias que temos como individuais, como sendo apenas nossas, são perfeitas por si só. Mesmo com todas as suas imperfeições, pois são estas imperfeições que permitem a tomada de consciência da essência de si mesma. A essência torna-se ciente de si mesma através do somatório de todas estas estórias de condicionamento. E nas suas diversas formas e feitios. Não apenas os humanos como todas as diferentes formas de vida que existem ao longo de toda a existência.
A vida é perfeita e simples sendo como é. Cada ser humano é vida a ser vivida por si própria, num equilíbrio perfeito de eventos sucedendo-se uns aos outros e que permitem nessa sequência atribuir um significado ao todo. Por vezes aquilo que ocorre na nossa vida em determinado momento não faz muito sentido e isso acontece porque não possuímos a visão do todo. Se o pudéssemos fazer veríamos que nada acontece por acaso e que tudo acontece como tem de acontecer e no momento certo para acontecer.
A Daniela é uma dessas estórias de encontro com a essência em face consigo mesma. Todos os eventos da sua vida trouxeram-na até ao lugar onde se encontra neste momento, até este nível de consciência.
É precisamente este encontro consigo mesma que ela se vê forçada a fazer pela sucessão de acontecimentos que tem ocorrido na sua vida.
O medo de perder o controle da personalidade que tinha como a sua é precisamente a razão porque não tem vivido plenamente a vida que é. Pois esse medo que a levou a fazer sempre as opções que achava que a permitiam controlar o seu destino. Esse medo é quem na verdade a controlava. Na procura de manter o controle, ela acabou por o delegar ao medo de o poder.O poder sobre ela e a sua realidade.
Era a essa conclusão que as circunstâncias da sua vida a tinham trazido neste momento. Porque era agora que ela estava preparada para começar a conhecer, na verdade relembrar, a verdade sobre quem é.
O facto de ter de lidar com a doença da irmã levou a que procurasse saber mais sobre si, sobre a realidade em que estava inserida, ainda que inicialmente tenha encetado uma espécie de fuga para a frente, procurando impregnar-se nas atividades dia-a-dia, como os seus estudos e depois a sua profissão. Mas por mais desvios que se façam, eles existem apenas para preparar as condições para enfrentar a verdade última que temos de enfrentar. E essa verdade somos nós mesmos. Aquilo que somos e que é no fim de contas a vida. Somos vida, simplesmente vida.
Os episódios de descontrolo emocional da irmã da Daniela espelhavam um desencontro com a sua essência, eram uma chamada de atenção para a ilusão de limitação, que é a crença de sermos apenas um corpo e a personalidade que o controla.
Ao aceitar essa chamada de atenção criou espaço para que a verdade da essência se revelasse e as barreiras da limitação caíssem e aquilo que parecia ser o fundamental, revelasse a sua real face. E compreende-se enfim que tudo é muito mais simples do que julgava ser.
Estava agora ela preparada para perceber que nada há para controlar, que essa necessidade de controle é uma mera ilusão.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Uma borboleta vagueando

Os momentos sucedem-se uns aos outros 
num encadeado de sensações em busca da verdade de si mesmos.
O observador experienciando o observado
fundindo-se em cada aspecto, sendo uno com o todo
cada fragmento reconhece-se ao encontro do fragmento seguinte.
Tudo está bem assim como está
num equilíbrio perfeito do existir, 
tornando-se reconhecido em cada projeção.
Uma lufada de ar inculca vida em cada fragmento,
uma borboleta vagueando pelo meio das flores
um sorriso pendurado no teu rosto
a fotografia de um beijo roubado
abraçar o calor de outro ser humano
percorrer os caminhos perdidos do desejo de ser outro alguém
e no entanto agarrar aquilo que te é dado neste momento.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

#42 Reflexo

Todos os momentos contam de igual modo quando estamos verdadeiramente presentes para a realidade tal como ela é. De verdade enquanto humanos não possuímos a capacidade de percecionar a realidade tal como ela é, porque as vestes limitadas em que nos movimentamos não o permitem. No entanto aquilo que nos é possível é muito mais relevante do que entender a realidade tal como ela é. Em vez de tentar entender podemos nos permitir vivê-la plenamente. Abertos a todas as sensações e emoções que surgem em nós e através de nós. Tudo isso é parte de quem somos. As limitações que nos revestem enquanto humanos são o elemento necessário a uma submersão total num esquecimento da essência por forma a viver o esplendor de despertar para a sua existência. Só esquecendo quem somos de facto poderemos ter o prazer sublime de relembrar quem somos em essência e até que isso ocorra, o mais relevante é o processo de ai chegar. É o caminho que fazemos para relembrar que é essencial e não o resultado final. A essência é perfeita assim como é, sem mais, e a única forma que tem para se experienciar, resulta da sua fragmentação em pequenos pedaços que possam interagir entre si, numa grande aventura de relembrar quem são de verdade.
Esta certeza de que tudo está bem assim como é, resulta da totalidade do Ser, da essência, que é imutável, intemporal. Cada fragmento da essência conhece-se a si mesmo, está incrustado no mais ínfimo pormenor da sua existência naquilo que é. Nenhum fragmento é dispensável, nenhum é melhor ou pior do que o outro. Todos sem exceção são parte do todo. Cada vida humana é um desses fragmentos. Tudo é experiência que conduz ao encontro do lugar de onde nunca se partiu. 
Ricardo tinha a perfeita consciência da sua união com o todo, tinha a consciência que a realidade em que se percecionava era um espelho do seu interior. Um reflexo de tudo aquilo que vagueava em si e que sinalizava as experiências que lhe permitiriam maximizar as sensações do que é tomar a consciência de ser vida a ser vivida. De ser o observador do observado, sendo tudo isso e nada disso ao mesmo tempo. E a decisão que tinha tomado de despertar e elevar o seu nível de consciência contribuindo para que os outros possam fazer o mesmo. Ele tinha a consciência de que as pessoas que vinham ao seu encontro para que as ajudasse, estavam a contribuir para que ele se ajudasse a si próprio. Pois só podemos de facto cuidar da nossa relação com a vida que somos. A única pessoa que cada um de nós pode mudar somos nós mesmos, mas as mudanças que permitimos que ocorram em nós reverberam em múltiplos níveis e influenciam todos ao nosso redor e mesmo pessoas que nunca veremos ao longo desta experiência humana.
A vida humana é um processo de descoberta de quem somos de verdade, presente em cada reflexo que, momento a momento, está disponível para cada um de nós.
Ricardo já havia concluído que as suas batalhas contra a realidade resultaram sempre na vitória desta. Pois perdemos sempre que tentamos fazer com que aquilo que é como é, seja algo de diferente daquilo que é. É a nossa resistência àquilo que é que dá origem a tudo aquilo que classificamos como problemas, como obstáculos. E no final nada disso importa, pois ocorra o que ocorrer a nossa essência continua sendo perfeita, assim como é. Todas essas coisas, que tendemos a classificar como más, como problemáticas, servem como despertadores, agitadores daquilo que temos como garantido, por forma a que possamos agir ao encontro da verdade que habita em nós.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Quem sou eu?

Deixar-se envolver em cada momento,
por aquilo que esse momento nos dá
estamos sempre a receber as dádivas da vida
em cada golfada de ar, em cada sensação
recebemos vida, nós somos vida.
Somos tudo o que acontece na vida
somos o observador inseparável do observado.
Respira, o ar entra, ai vem a vida
respira, o ar sai, continua sendo vida.
As ideias fluem ao longo de nós
prestamos atenção,
ser feliz é uma escolha de sermos quem somos
em cada momento, tal como somos,
sem máscaras, sem ressentimentos
e com tudo isso se assim for.
Entrego-me a este momento tal como ele se me apresenta
digo-lhe olá, aqui estou.
A vida continua, mesmo quando estamos distraídos
ela continua por nós, em nós e até nós.
Tudo incluído em perfeita simplicidade
respondendo à única pergunta que nos leva a despertar.
Quem sou eu? 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

#41 Reflexo

Os pensamentos sucedem-se  em catadupa, num carrossel desgovernado que gira sem parar. Em silêncio permite-se observar. Sem gerar atrito, deixando o silêncio sorver a atenção. Desse modo os pensamentos como que perdem a vontade, uma vontade própria que os fazia ser o centro das atenções. Que os tornava nos limites percecionados da realidade, nada mais havia para lá deles e da sua importância. E no entanto, pouco a pouco, esse silêncio sereno, tomava o seu lugar. Um lugar que nunca deixara de ser o seu, uma presença que é anterior a todos os pensamentos e posterior a todos eles. O silêncio esse verdadeiro lugar do existir, um encontro com o absoluto, com a essência. Nada mais há para lá do absoluto, mesmo colecionando as migalhas das ideias soltas, mimetizadas nas palavras que se unem em busca de um sentido. E que sentido é esse afinal? Será que há um sentido? A vida experienciando-se a si mesma em cada momento. É esse o sentido, tudo o resto para lá disso é um mero desviar da atenção, que tem no entanto como fim último, retornar o seu lugar no sentido da vida. Nada se perde, nada é insignificante, nada é descartável. Tudo é vida.  
A Sara tinha momentos em que se entregava ao silêncio que a habitava e ai, como que deixava de existir, a personalidade chamada Sara, esfumava-se nesse espaço ilimitado onde todas as manifestações ocorrem.
Esses momentos no entanto eram ainda escassos e de curta duração. Deixando um lastro de vontade de os repetir, de fazer com que se tornassem permanentes. Que fossem a regra e não a exceção. Seria isso possível para ela, era a dúvida que a sobressaltava.
Ela estava no entanto determinada a agir para que isso fosse possível, a tudo tentar sem abdicar da chance de se conhecer de verdade. De ser honesta consigo própria. De não abdicar, antes de tudo fazer, como tantas vezes no passado havia acontecido. Desta vez, seria diferente - dizia a si mesma - esta oportunidade não iria desperdiçar. 
Estava convicta que, com a ajuda e orientação do Ricardo, tudo seria diferente, que desta vez era chegada a sua hora. De cuidar de si e tornar-se uma mais-valia para o mundo. Quanto mais não fosse para o seu mundo, aquele onde se movimentava todos os dias. Devia a si mesma esse esforço, esse investimento em si, por forma a que não se repetissem os erros passados, de colocar as vontades dos outros em primeiro lugar e ser depois descartada. Ela compreendia agora, que na verdade, era ela própria quem se descartava e que essas pessoas estavam apenas a espelhar essa negligência que ela se presenteava. Ainda que o fizesse de forma inconsciente, ela era a sua maior "inimiga". Sendo isso, em si mesmo, uma boa notícia porque tinha em mãos a possibilidade de mudar tudo isso e passar a ser de facto a sua maior aliada, nesta sua experiência humana.
Como primeira etapa a observação dos seus pensamentos, o dedicar a sua atenção plena ao que vagueava na sua mente. Era o seu foco de momento. Sendo isso mesmo o que ela fazia regularmente ao longo do seu dia. Procurando estar atenta aos pensamentos que emergiam na sua mente, o que lhe diziam eles. Sem no entanto se agarrar aos mesmos, apenas observando como surgiam, os efeitos que produziam no seu corpo e depois como partiam.
Ela sabia que tinha de praticar, pois rapidamente os pensamentos tomavam conta dela e esse espaço de silêncio era ocupado pela cacofonia ruidosa do bailado pensante dentro da sua mente. Tal como uma atleta através do treino, da prática continuada, ela sabia que seria capaz de conseguir ultrapassar este desafio do autoconhecimento.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

#40 Reflexo

A Daniela estava determinada a permitir-se libertar da necessidade de controle, da necessidade de saber aquilo com que pode contar da vida. Ela tinha obtido uma nova perceção de si e da sua capacidade de se olhar de uma forma diferente perante a vida e do seu papel nela. 
No entanto um pensamento recorrente na sua mente era o exemplo da sua irmã, algo que ela queria evitar que lhe ocorresse. Esse era um medo latente e que ressurgia com mais força quando as memórias do horror que tivera, enquanto adolescente, nos momentos iniciais da doença da irmã e da forma como tinham de lidar com isso. O seu maior medo é que a irmã perdesse o controle, se tornasse violenta, pegasse numa faca e atacasse as pessoas lá em casa. Recordava os episódios de violência em que a irmã se virava contra os restantes membros da família, ainda que tal comportamento fosse exacerbado pelos efeitos secundários dos medicamentos que tomava. Esse episódios produziam tremendos níveis de stress, que se faziam notar no seu corpo, através de um constante estremecer, induzido pela agitação interna, pelo palpitar nervoso do seu coração. Outras memórias tinham a ver com o despertar sobressaltado ao meio da noite devido à música colocada em alto volume pela sua irmã. Todas essas recordações eram um lembrete constante para que o controle sobre a sua vida fosse uma das suas prioridades. Ela havia prometido a si mesma não se permitir perder a noção de si, perder a noção de identidade. Perder a capacidade de raciocinar plenamente e fazer as escolhas por si, saber que rumo dar à sua existência.
E no entanto chegado a esta fase da sua vida, via colocado em causa toda essa assumpção da realidade, da necessidade de manter o controle sobre a mesma. Sabia agora que de facto não controla a sua realidade, apenas criara uma sensação ilusória de que estava a controlar a sua realidade, mas já tivera inúmeros exemplos em que a realidade levava-a a resultados muitos dispares daquilo que à partida tinha como certos.
Este era um desses exemplos, nunca poderia prever que teria frequentado um workshop de desenvolvimento pessoal e que a influencia que isso teria na sua vida, poderia assumir as dimensões que estavam a assumir neste momento. Onde quase tudo estava a ser colocado em causa, tudo aquilo que tinha como certo na sua vida, como adquirido, estava agora seriamente ameaçado. E o que mais a assustava era não saber onde tudo isso a iria levar. A ideia de não ter controle sobre o rumo a seguir, era algo que ainda lhe custava a habituar.
No entanto estava decidida a confiar naquilo que a vida tinha para lhe oferecer. Estava imbuída da noção que ocorresse o que ocorresse tudo estaria bem e que seria para o seu melhor. Mesmo que acarretasse mudanças que não conhecia, de momento, e para as quais não sabia se estaria preparada. Mas a confiança que a envolvia servia como um paliativo ao que quer que viesse a acontecer. 
Os sinais que vinha tomando consciência eram uma evidência para si, de que algo mais lhe estava destinado, que apenas a ideia de viver uma vida muito controlada por forma a manter a sua personalidade intacta. O medo de perda de identidade, da noção de si levava a que raramente arriscasse, limitando-se a fazer o que sempre fizera sem nunca abandonar a sua zona de conforto.
Esse mesmo medo de descontrolo sobre a personalidade era uma das razões porque evitara até então de engravidar, apesar da vontade do seu marido em constituir família, com receio de que os seus filhos pudessem ter doenças do foro psiquiátrico. Que tivessem uma predisposição genética para desenvolver tais doenças. Mas agora essa guilhotina pendendo sobre si havia sido removida e a leveza que isso lhe dava, permitia uma nova perceção do que poderia ser a sua vida. Livre de preconceitos e aceitando em pleno o que a vida lhe trouxesse.
Uma certeza, que não sabia justificar de onde surgia, lhe dizia que estaria preparada para enfrentar qualquer desafio que a vida provesse. E que não estaria sozinha para os enfrentar. Que nos momentos certos o que fosse necessário estaria disponível e que seria sempre para o seu bem, ainda que nem sempre o parecesse. Estava preparada para lidar com os aspetos que julgaria como menos bons, ou mesmo maus, mas que serviam um propósito maior.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Procuro por ti

Procuro por ti 
para me encontrar
iludido que me podes completar
desperto para a tua beleza
que habita em mim
acreditando amar
ser amado
como estou enganado.
pode o amor amar?
O amor é tudo,
a partilha torna-o reconhecido
sendo vivido em cada momento,
quebrando as barreiras
do silêncio interior
onde te escondes
onde te perdes de ti.
Procuro por ti,
até que o amor me desperte
deixo de procurar
podendo assim te conhecer de verdade.


sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

#39 Reflexo

Perscrutando os seus pensamentos que sinalizavam as dúvidas que a assolavam, caminhando ao longo de um fio de fronteira entre duas realidades que tinha como inconciliáveis. Por um lado Daniela pendia para o seu lado mais cético e racional que lhe dizia que tudo aquilo que tinha experienciado ultimamente era uma mera ilusão. O fim último dessas experiências só poderia ser uma irreparável  perda de controle, perda de identidade e uma entrega a viver desligada do mundo, a alienar-se num recanto sombrio da sua mente e perdendo todo o fulgor da vida que a circundava.
Por outro lado, o seu lado intuitivo sinalizava que podia abdicar da ideia de controle, que tudo era isso mesmo uma ideia e que nada a podia condicionar em essência. Todas as experiências e ocorrências que vinham acontecendo na sua vida, não eram obra do acaso, ela sabia que nada acontece por acontecer,sem um fundamento.
O facto de ter-lhe sido indicado o Ricardo e a mensagem que ele partilha, assim como todas as sincronias que vinham acontecendo, só podiam ocorrer embutidos de um sentido. Tal como todos os acontecimentos que constroem a história da sua vida faziam sentido que tivessem sido dessa forma e não de outra qualquer. Essa certeza vinha cimentando dentro de si desde que tivera o sonho de se encontrar numa outra dimensão e ai vira a sua vida como um todo até àquele momento e entendera a conexão entre cada situação; como um cordão encadeado, onde cada acontecimento levara ao seguinte e que sem o anterior o seguinte não teria existido.
Ainda que essa sensação de plenitude a preenchesse, o que era certo para si, era a dúvida que tomava de assalto a sua atenção. Caminhando sobre esse ténue fio de fronteira entre essas duas certezas, ela sabia que não o poderia consentir por muito mais tempo. Pois tal situação drenava, cada vez mais, a sua energia e vontade para se movimentar no mundo, para lidar com a realidade do seu dia-a-dia.
Ela resolveu conversar com a Sara, que estava também ela a atravessar um processo de autoconhecimento e de conexão com a sua essência. E Podiam assim falar a mesma linguagem, sem ser vistas como tresloucadas, como desfasadas da realidade.
No dia combinado encontraram-se para partilharem tudo aquilo que estava a ocorrer nas suas vidas, procurando na troca de experiências encontrar mais luz para a situação individual de cada uma.
"Olá Sara, vejo-te com bom aspeto." Ao que a Sara respondeu de imediato, "tu também, estás muito bem".Cumprimentando-se com dois beijos na face.
"Estava com muita vontade de conversar contigo, Sara. Estou um pouco dividida neste momento. Como sabes já fiz a minha primeira sessão com o Ricardo, após o sonho que tinha tido com ele, e que te contei da última vez que nos vimos. Por um lado a certeza de que tudo acontece como tem de acontecer e que a minha vida até aqui, foi como tinha de ser, para que eu chegasse a este momento. Sabendo que nada pode condicionar a essência, aconteça o que acontecer.  E que é contrariada pela outra certeza de que nada disto é real, que indo por este caminho poderei perder-me, e deixar de ser quem sou. Poderei alienar-me da sociedade e nunca mais voltar a ela, deixar de funcionar como devia e orientar a minha vida, como gosto de fazer." Suspirando e olhando nos olhos da Sara, que a ouvia com atenção, terminou dizendo, "como vês uma barafunda é o que vai aqui dentro" e apontou com o dedo à sua cabeça.
A Sara disse de seguida " sim , vejo que essa dúvida está presente e que arrebata a tua atenção, pela forma como me descreveste.Mas aquilo que já tenho consciente em mim, com todo este trabalho que tenho feito é que na verdade não é necessário fazer opção alguma. As opções surgem por si mesmas quando deixamos que assim seja. Quando nos permitimos deixar de tentar controlar a vida, esta mostra-nos o caminho. Como já alguém disse, não me recordo quem, devemos deixar de fazer planos para a vida de modo a não estragar os planos que a vida tem para nós. Não sei se a frase era bem assim, mas a ideia é essa. Deixando de fazer planos ficamos livres para viver de facto aquilo que a vida nos dá em cada momento. Tal como diz o Ricardo, a vida não é algo que nos acontece, mas sim algo que nós somos. Confesso que ainda não compreendo na sua totalidade esta afirmação, mas cada vez faz mais sentido para mim, de acordo com aquilo que vou experienciando na minha realidade. Ao falar assim até pareço que tenho tudo muito resolvido em mim, mas ainda não é o caso. Acredito que ainda tenho muito trabalho a fazer em mim. A única diferença e que me faz crer que vou conseguir, é poder contar com a orientação do Ricardo, com o exemplo que ele me dá, de que é possível."
A Daniela disse então, "percebo que o vejas desse modo, eu própria após a primeira sessão que tive com ele, reforcei a ideia que tinha sobre ele adquirida no workshop que fizemos. Nesse workshop já havia mexido comigo, senti coisas que nunca tinha sentido. Como que encontrei uma parte de mim que estava escondida e que ai começou a ressurgir. E com o sonho que tive tudo isso ganhou mais força, mais vida, se assim o posso dizer. Tendo servido esta sessão que tive com ele para confirmar que de facto há algo mais em mim. Que há essa alternativa de existir para lá daquilo que acreditava ser. Pois essa, que acreditava ser, tem uma necessidade permanente de controle, para poder se sentir segura, confortável. Mas como te disse tudo isso está abalado agora. A dúvida instalou-se com esta visão alternativa sobre aquilo que é a verdade sobre o que sou. Até que possa encontrar alguma clareza que faça dissipar todas as dúvidas e permitir que uma escolha seja feita. Seja essa escolha feita ativamente por mim ou não, mas que surja essa escolha, por forma a que tudo se resolva. Que o caminho seja decidido para que o possa percorrer."
" A minha intuição sobre tudo isto que estamos a falar diz-me que todas as dúvidas se dissiparão quando deixarmos de procurar as respostas. Que no momento certo as respostas surgem. De nada serve estarmos a desperdiçar a nossa energia a tentar perceber e resolver todas estas questões, pois esse esforço cria mais obstáculos do que certezas." Terminou dizendo a Sara, fazendo com que um manto de silêncio  se estendesse sobre elas.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

#38 Reflexo

Os momentos sucedem-se uns aos outros e a mente humana vai catalogando-os em função das referências que possui e que derivam das experiências passadas. Fazendo com que a realidade seja uma constante revisitação a ocorrências de um passado que teima em sobreviver ao presente, mas que só no presente pode ser vivenciado. E por arrasto implica um futuro que não passa de um passado recauchutado. Isto será assim até que se possa despertar do torpor de dormência que o afasta do agora, que o ilude sobre aquilo que é, tal como é neste momento. 
Assim mergulhadas nesse torpor se encontravam a Daniela e a Sara, cada uma à sua maneira, em busca de uma boia de salvação que as resgate ao encontro da sua versão original. Uma versão livre de condicionalismos, e reminiscências de um passado que desejavam fosse diferente. Mas que no entanto sabiam, ser esse passado aquilo que as fizera chegar onde estavam no presente. Aquilo que cada uma, dentro do seu processo, tem feito enquanto descoberta pessoal, enquanto investimento no maior tesouro que cada ser humano possui, mas que poucos estão cientes desse tesouro e que é a vida.
A vida a mais preciosa das joias que alguma vez poderíamos imaginar ter, perceber a quantidade de condicionantes que são necessárias que ocorram para permitir que exista a vida, tal como a conhecemos e a capacidade de ter consciência de ser, essa vida a ser vivida. A vida a tomar consciência de si mesma. É este o propósito do ser humano. Viver a vida tal como ela é, não tendo que haver um ponto de partida e um ponto de chegada que desvie a atenção do essencial para o acessório. É a viagem pelo seu todo, momento a momento que é valioso e não apenas o local onde queremos chegar. São estes objetivos últimos que toldam a realização da perfeição do presente, pois ele é sempre perfeito como acontece, porque é o que acontece. 
Cada fragmento da essência, materializado num corpo humano e na mente que se ilude de o controlar, tal como deseja controlar os seus destinos em busca daquilo que pretende ser o melhor para si. Desaguando assim num conflito permanente entre aquilo que deseja que aconteça e aquilo que acontece de facto. Sendo este conflito a causa da ilusão de separação e sofrimento que recai sobre a humanidade como um todo, refletido nas suas diferentes unidades.
As condições para que se desperte do estado dormente vão sendo tecidas numa miríade de escolhas que se vão fazendo e que implicam sempre renunciar a todas as outras que seriam passíveis de ser tomadas e que não o são. Por vezes é aquilo que se renúncia que mais dor acarreta, ficando remorsos por não ter feito diferente do que se fez. E esses remorsos vão corroendo a atenção, sorvendo a energia toda até que se atinja um ponto de não retorno. 
O que advém desse ponto de não retorno pode implicar o fim da vida como a conhecemos ou então pode dar origem a uma entrega total, a um desistir da réstia de controle e simplesmente se abandonar ao que vier.
A Sara havia atingido esse ponto e tendo balançado entre essas duas escolhas, foi o ter conhecido o Ricardo que a fez desequilibrar a balança para a entrega total. Para ela este processo que estava em curso, representava uma derradeira oportunidade para dar significado à sua existência.
Seguindo as recomendações do Ricardo, ela permitia-se observar os pensamentos que adejavam na sua mente. Procurando libertar a sua atenção para os intervalos que ocorriam entre os pensamentos. E ainda que inicialmente não o conseguisse fazer, lentamente foi notando por breves instantes esse espaço que mediava os pensamentos. Com a prática dedicada, esses instantes foram sendo mais longos. Quando isso acontecia uma sensação de paz, de harmonia assomava à superfície e tudo ficava mais leve. Sendo depois quebrada pela voragem de novos pensamentos, mas agora essas pequenas brechas que se abriam na sua mente jamais poderiam ser tapadas.
A sua relação com o tempo vinha-se alterando, intercalando momentos em que tudo como que se arrastava, se engasgavam e uma sensação de aprisionamento surgia. Com outros momentos onde tudo fluía, o passar do tempo não se fazia notar e ai tudo tinha mais sentido, cada peça encontrava o seu lugar. Ela sabia que estava tudo na sua perceção, que nada mais havia para lá da forma como ela interpretava tudo o que ocorria; todas as ocorrências são neutras os filtros que usava para se relacionar com a realidade é que eram um reflexo seu.
Saboreando uma bela refeição, preparada por si, entregava-se ao deleite dos sabores, notando as texturas dos alimentos em contacto com a sua boca, dialogando com as suas papilas gustativas servindo-lhes prazer. 

O amor flui

Amor fluindo
momento de conexão
outro tempo para viver
sem culpas
totalmente presente
elevando a atenção
espaço infinito
sempre agora
esquecendo as ideias desconexas
nem sempre, nem nunca
isto é uma ilusão
alma lavada pelas lágrimas
que afagam os rostos perdidos
procurando a verdade
e no entanto,
o amor flui.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

#37 Reflexo

O nome que nos é atribuído quando nascemos torna-se uma espécie de marca "guarda-chuva" que engloba a narrativa completa desta personalidade que se vai construindo com o passar do tempo linear, como o conhecemos enquanto humanos. Esse nome é a cola aglutinadora de todas as experiências que vão ocorrendo em sucessiva catadupa. Mas se olharmos para lá do nome e toda a sua bagagem, seja o corpo que embala o nome, seja a mente que se ilude de dirigir os seus destinos. Se olharmos para lá dessas evidências mais imediatas aquilo que iremos encontrar é o vazio. Um grande nada, um imenso espaço livre pronto a ser vivido em cada uma das suas insignificantes experiências. As experiências são reais, são plenas de significado em si mesmas, mas não condicionam o que quer que seja a essência onde elas ocorrem. Elas confluem num jogo de interação entre diferentes nomes pavoneando os seus corpos, representando um papel limitado, mas sempre pronto a ser extinguido. Esse jogo do ego, das personalidades, encontra-se representado em diferentes maneiras igualmente adormecidas, só que umas estão adormecidas profundamente e vivem se expressando em piloto automático. Enquanto que outras se expressam numa ilusão com lapsos de despertar, vulgo seres espirituais evoluídos, que no entanto se perdem numa busca incessante pela iluminação permitido aos mais especiais. E conseguem a iludida experiência de iluminação em breves encontros que depois os condiciona perpétuamente a procurar iterar as condições que o permitiram sem no entanto, ou raramente, o alcançar.
E no entanto tudo aquilo que seja passível de ser buscado já se encontra na base de quem o procura. Apenas se torna invisível aos iludidos pelo jogo da busca, seja isso, mais felicidade, seja mais dinheiro, sucesso, melhores relações. Ou ser especial, ser espiritual, ser iluminado. Qualquer se seja o objetivo da busca, torna-se ele mesmo o maior obstáculo à realização daquilo que já é perfeito assim como é. E por ser perfeito, mesmo essa busca é perfeita, precisamente porque não pode encontrar o que nunca esteve perdido ou escondido, nem condicionar a essência onde ocorre. Tendo como finalidade única todas essas experiências tornar ciente a essência de si mesma, pois de outra forma não se poderia tornar conhecida de si mesma. Tal como uma faca não se pode cortar a si mesma, a essência só pela sua fragmentação em pequenos estilhaços se pode experienciar, ainda que parcialmente. Cada fragmento é importante e imprescindível, não pode ser descartado, não pode ser excluído, pois o todo é imutável. Sendo cada ser humano um fragmento dessa essência, ele é plenamente essa essência, não é menorizado por ser pedaço do todo, pois o todo está contido na parte. Pela parte se pode experienciar o todo. Num bailado de conceitos mera ilusão temporal que permite brincar com as palavras, com as sensações ao encontro de quem nunca partiu, de quem sempre esteve na casa de partida, onde se chega sempre para encontrar consolo e carinho libertador.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Fala-me de amor

fala-me de amor
deixa-me silenciar o ruído 
da tua ausência
encontro-te por ai
algures só
julgava-me perdido
em ti, me encontrei
amor
palavra pequena para tamanha imensidão
fala-me de amor
deixa-me relembrar
que também o tive.
és essa memória viva
do amor que em mim pulsa.
fala-me de amor
até que perca a noção do eu
e todo impregnado pelo seu perfume
me perca em ti. 


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

#36 Reflexo

Um manto de silêncio pairou no espaço onde decorria a sessão. Os olhos de Ricardo mergulhavam nos de Daniela. Os limites desvaneceram, não havia separação alguma entre aqueles dois seres, que vibravam na mesma frequência energética. Um entendimento para lá do passível de ser percecionado pelos sentidos humanos e no entanto disponível para ser acedido a qualquer momento, pois o tempo existe apenas na baixa frequência da dimensão humana, por forma a permitir que estes vivam as experiência que tem de viver, que possam errar, fazer de novo e voltar a errar melhor e fazer mais uma vez. Sendo tudo aprendizagem nada se perde.
O momento foi interrompido pelo Ricardo, dizendo:
"Daniela o sonho que teve e no qual experienciou que tudo aconteceu como tinha de acontecer, em que soube que tinha sido previamente decidido que teria de passar por essas experiências. Esse sonho foi a sua essência a relembrar quem é de verdade. A lembrar-lhe que não está sozinha, que esta personalidade que acredita ser é uma estória que ocorre no espaço ilimitado que é a sua essência. Sendo esta perfeita é através destas ideias de limitação que ela se torna ciente de si mesma. É testando a aventura de superar a limitação que vale pela aventura em si, ou seja, é o processo em si que é relevante e não a sua finalidade. Pois como já tem consciência, ocorra o que ocorrer nada pode beliscar o que quer que seja a sua essência. O que dito com verdade não é sua, ela é o que é e não pode ser definida. Qualquer definição é uma limitação ilusória. Pode-se definir apenas por uma questão prática e orientadora, sabendo que qualquer que seja a definição não é o que é a essência, o absoluto."
Ao que a Daniela comentou: " Uma parte de mim entende perfeitamente aquilo que o ouvi dizer, tudo isso faz sentido e sinto que não podia ser de outro modo. Pois ainda tenho muito presente o que vivenciei no sonho que lhe relatei. Mas por outro lado a outra parte de mim diz-me que tudo isso é ilusório, que são historinhas que se contam aos meninos para os entreter e que se seguir nesse caminho irei perder-me. Tal como a minha irmã, deixarei de funcionar em pleno nesta realidade, viverei num mundo à parte. E eu não quero isso. Sendo totalmente sincera...Eu tenho medo de que isso possa ocorrer. O que é que eu faço para lidar com isso? Como é que evito que tal aconteça?"
"Respondendo diretamente ao que me pergunta...aquilo que tem de fazer é nada. não pode fazer nada... a não ser estar presente. Estar de corpo e alma presente em cada momento desta sua experiência. Porque se ela tiver que passar por algo semelhante ao que a sua irmã está a viver, então assim será. E se quiser que lhe diga, na verdade, você já está a passar por algo semelhante ao que ela está a passar, porque ela e você são unas, tal como eu sou consigo, neste momento. Tudo o que ocorre na nossa realidade é um espelho do nosso interior. Cada pessoa que surja na nossa vida, seja por muito ou pouco tempo, traz-nos algo de valioso que é um encontro connosco próprios, com reflexos da nossa essência. E é pela forma como lidemos com eles que poderemos desfrutar em maior ou menor grau desta experiência de vida humana. Vou dar um exemplo, a Daniela veja-se como sendo um salão de baile, só que neste momento está preocupada com as danças que surgem em si, acredita que é essas danças e estas vão mudando ao longo daquilo que temos como tempo linear. E essas danças tem ritmos diferentes e nem sempre o são de acordo com os seus desejos, quando assim é desespera, procura por todos os meios agarrar-se às danças que conhece. E entra num desgaste constante que afastam a sua atenção de que, não é as danças, mas sim o salão de baile onde estas se dão. Salão esse que continua sendo como é, independentemente do tipo de dança que esteja a acontecer em determinado momento. Dança alguma irá afetar o salão. Assim, em jeito de conclusão, digo-lhe, permita-se parar. Faça uma pausa de todo esse reboliço interno e que se nota externamente e apenas observe as danças que estão a ocorrer em cada momento. E sim por vezes terá a perceção que essa dança é divertida, por vezes ela será vista como desagradável. Esteja presente para aquilo que for.Observe e deixe-se ir. Chegará sempre ao lugar de partida, de onde nunca chegou a partir. Pois já é tudo aquilo que poderia imaginar ou desejar ser. Tudo isto que referi fará o seu percurso dentro de si. Dar-lhe-á os "insights" que tiver de dar. Se a necessidade de controle vier, fique presente para todas essas sensações, sem apego e verá como partem tal como chegaram. Desse modo estará a elevar o seu nível de consciência e a relembrar porções mais amplas da sua essência. Procure fazer as suas tarefas com normalidade, sem especiais cuidados e tudo ocorrerá na medida em que estiver preparada para que ocorram."
" Sim, tenho muito que assimilar. Mas esse meu lado pleno e harmonioso transmite-me uma sensação de certeza. E eu escolho confiar e entregar. Estou grata pela sua orientação."
" Na verdade a orientação é sua, como sempre, eu apenas sou um reflexo dela." Terminando assim a primeira sessão da Daniela, tendo dado um passo que representaria uma mudança de paradigma na sua vida humana.