quarta-feira, 28 de outubro de 2015

#49 Desconforto

Normalmente ela fugiria de qualquer estranho que se dirigisse a ela e muito mais que lhe dissesse algo parecido com um sermão como aquele que ouvira. No entanto neste caso não havia sentido como uma intromissão, como se fosse uma invasão de alguém estranho tentando falar do que desconhecia. Não sabia como explicar tal sensação, mas para ela as palavras daquele homem, que nunca havia visto antes, faziam pleno sentido. De facto evitava ficar só com os seus pensamentos, evitava mergulhar fundo em si, pois o desconforto que aflorava era de tal intensidade que temia perder-se e não mais regressar.

#48 Sinal

Toda essa profundidade negra que evita lidar dentro de si, é um tumulto à espera de acontecer. Mais cedo ou mais tarde terá de o enfrentar, pois não pode adiar a sua vida colocando-a em suspensão. Por muito que tente encontrar distrações que a levem para longe dessa realidade interna, ela estará sempre ai. E tudo começa por uma simples escolha de se amar, escolha o amor e saberá como lidar com o que quer que esteja ai dentro e que procura evitar. Digo-lhe isto não porque saiba o que é o melhor para si, mas apenas como um sinal. 

#47 Ame-se

Dirigir a palavra a outra pessoa estranha ainda era algo desconfortável para ele, mas neste caso a sua intuição empurrava-o para falar com aquela mulher. Não sabia porquê, mas tinha que o fazer. Ao chegar junto a ela colocou de lado os seus pensamentos de timidez e entregou-se ao momento, permitindo que as palavras encontrassem o seu caminho e fluíssem da sua boca, vindas sabe lá de onde. Começou por pedir desculpa pela abordagem, continuou dizendo “sei que não me conhece de lado algum mas a minha intuição induz-me a partilhar consigo que este é o momento de se amar".

terça-feira, 27 de outubro de 2015

#46 Encontro

O encontro era inevitável, acredite-se ou não no destino, ele tinha de ocorrer. O sofrimento dela era visível à distância, era impossível que não o visse. Agora que estava mais familiarizado com o seu dom de ver os sentimentos, mais em paz consigo mesmo. Escapar à visão de tal negrume, tal volteio de tonalidades de negro, era algo que não era opção. Tinha de lhe dirigir a palavra, sem querer parecer metediço, sentia que era o seu dever falar com aquela mulher que caminhava na sua direção. Algo o puxava para ela, não conseguia desviar a sua atenção desse Ser.

#45 Mundo interior

Era chegada a hora de colocar um fim a essa fuga de si mesma e enfrentar a realidade do seu sofrimento. Ela não acreditava ser merecedora de felicidade. Achava que estava destinada a sofrer, não se achava digna de viver o amor. Tinha que se resignar às vontades dos outros em busca da sua atenção, ainda que essa atenção fosse desprezo e violência. No entanto achava isso melhor que nada, melhor que lidar com esse sofrimento que a consumia por dentro e que não queria enfrentar. Qualquer desconsideração externa era um bálsamo que a afastava do seu sofrido mundo interior. 

#44 Fim inevitável

A sensação de incompletude era constante, ela sentia que lhe faltava algo que a completasse. Até então tinha procurado nos seus relacionamentos encontrar esse algo que acreditava faltar-lhe, no entanto sem sucesso. Os seus relacionamentos terminavam sem que essa sensação fosse preenchida. Sim durante algum tempo a ilusão de plenitude fazia-se sentir, inebriada pela ideia de um amor verdadeiro, que agora sabia que era uma projeção, do seu desejo, na outra pessoa. E quando a ilusão dissipava o vazio batia com força e ai tomava lugar as diferenças, onde os defeitos cresciam a olhos vistos até ao fim inevitável.

#43 Aproveitar ao máximo

Os primeiros tempos foram de difícil adaptação. Estar junto de alguém e conseguir ver aquilo que sentiam, era inicialmente confuso e causador de distração. Assim como ter de lidar com esse tagarelar interno que o julgava constantemente, dizendo que não era normal, que algo de errado se passava e que isso só poderia ser sinal de que estaria para acontecer algum mal. Mas ele foi enfrentando a situação recetivo ao que cada momento lhe trazia, procurava não se perder nos julgamentos e focava-se naquilo que estava a viver. Procurava aproveitar ao máximo, pois não sabia quanto tempo mais iria durar. 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

#42 Bailado de cores

A alegria dos outros era muito colorida, um festival de cores inundava o seu campo visual. A pessoa à sua frente ficava toda iluminada, irradiava essa alegria em cores vibrantes que se misturavam e entrelaçavam com quem quer que estivesse perto. Não haviam palavras que pudessem descrever tal sensação de poder ver como o estado de espírito de alguém pode influenciar quem está por perto. O modo como todos se conectam de formas invisíveis ao olho humano comum, mas que agora ele podia testemunhar, em razão do seu dom, desta sua capacidade de ver as emoções. Um bailado de cores.

#41 Aceitar com amor

Após o choque da descoberta da capacidade de ver as emoções dos outros e de como isso lhe surgia nitidamente, sem qualquer esforço da sua parte, sem poder controlar se via ou não. Após toda a resistência inicial e o achar que estaria a enlouquecer, que só poderia ser o sinal de um fim próximo. Veio a entrega, o aceitar daquilo que estava a ocorrer consigo. De nada valia lutar contra as evidências e então decidiu abraçar tal dom, tal capacidade e desfrutar ao máximo aquilo que lhe trazia e o quanto lhe poderia ensinar sobre quem era com amor.

#40 Receios

Estar com uma pessoa e ter a capacidade de ver aquilo que ela está a sentir, e ver aqui é no sentido literal, pode complicar e muito essa relação. Foi isso que aconteceu com ele, desde que descobriu esta sua capacidade visual, não conseguia manter por muito tempo os seus relacionamentos mais íntimos. Primeiro porque não conseguia explicar essa sua capacidade, não tentava sequer contar à sua companheira, tal capacidade. Talvez por medo da sua reação, talvez por medo da exigência que isso traria ao relacionamento. O medo da outra pessoa se achar invadida, analisada, na sua mais intima privacidade.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

#39 Ver as emoções

É estranho olhar a pessoa à sua frente e ver aquilo que ela está a sentir. Literalmente ver, aquilo que ela está a sentir. Ver as emoções da outra pessoa, ver como as sensações se expressam, é algo que altera significativamente a forma como olhamos para essa pessoa, nada fica igual a partir do momento que se pode ver aquilo que o outro está a sentir. 
Ele gostaria que isso nunca tivesse acontecido com ele, preferiria não ter essa capacidade. Estava confuso, havia lutado demasiado contra tais evidências, mas não era possível mais fazer de conta que nada se passava.

#38 Olhar de frente

Quando escolhemos ignorar os sinais que a vida nos dá, para calmamente proceder às mudanças que devemos experimentar, a vida não tem alternativa a não ser ampliar a potência desses sinais. 
E será assim até que não seja mais possível fugir, até que não seja mais possível olhar para o lado e fingir que nada se passa, que não é connosco. 
Ele não foi exceção, por muito que tentasse fazer de conta que nada se passava, as evidências eram cada vez maiores. Qual elefante no meio de uma loja de porcelanas. Era este o momento de a olhar de frente.


#37 Aceitar as mudanças

Pequenos sinais assomavam na sua vida, mas ele preferia ignorar, não valorizar demasiado, porque na realidade ele temia imenso o que isso poderia significar. 
Não tinha coragem de partilhar com mais ninguém aquilo que se passava consigo, aquilo que esses pequenos episódios poderiam significar sobre ele próprio. 
Temia que o considerassem louco, como alguém alienado e ele não conseguia suportar a ideia de ser colocado de lado, de ser catalogado como louco, como demente. 
No entanto a vida não faz julgamentos, ela vai-nos dando pequenos sinais para que possamos em pequenos passos aceitar as mudanças que devemos experimentar e acolher.      

#36 Render-se às evidências

Ele decidiu render-se às evidências, já havia lutado muitas vezes na sua vida contra esta, tentando evitar o inevitável e em cada uma dessas situações acabou por perder, mas só depois de muito sofrimento sentido na sua pele e infligido nos envolvidos. Nada fica incólume quando se luta contra a vontade da vida, pois na verdade esta só quer o melhor para nós, ela sabe o que é o melhor para nós. Mas nem sempre vemos isso, pois não conhecemos o todo que é a nossa vida e quando nos agarramos a pequenas partes da mesma estamos a criar barreiras. 

#35 Tu decides

Mais um dia como outro qualquer, nada de especial era suposto acontecer, no entanto, nada mais ficaria igual. Era um daqueles momentos definidores da tua vida, que mudam tudo, aquilo que tinhas como certo, como garantido deixa de o ser. E só te restam duas alternativas, ou lutas para tentar que tudo permaneça igual, ou então cedes às evidências e permitas que o novo se instale e te leve onde tens de ir. É uma escolha que mais ninguém pode fazer por ti, os outros podem ter muitas opiniões sobre o que é o melhor para ti, mas tu decides.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

#34 Aquele que observava não era ele

Olhando para o ecrã vendo um reflexo das ideias que pululam na mente, sem saber distinguir entre aquilo que é reflexo e o que é projetado. 
Onde começa o real? Interrogava-se. Existiria de verdade o real, ou era tudo ilusão? Resolveu investigar, permaneceu estático, observando os pensamentos que surgiam em catadupa. Mas desta vez não os seguia, apenas reparava como surgiam, acabavam por partir. 
Enquanto observava reparou que havia algo anterior ao que observava. Aquele que observava também não era ele, pelo menos não era apenas isso. Os pensamentos haviam já perdido a sua atenção, estava presente mergulhado no silêncio.

#33 Amigos da Alma

O mundo acabou neste momento. 
Acabou para mim que deixei o mundo dos vivos. Na verdade estou mais vivo agora do que alguma vez estive. Deixei as roupas físicas, livre do peso das memórias limitadas que carregava. 
Entendo agora que todo o sofrimento resultou desse apego às ideias feitas, dessa necessidade de controlo sobre tudo o que era a minha vida e quem dela fazia parte. Na verdade nunca sofri apenas cria na estória desse sofrimento. 
Estou grato a todos quantos me fizeram sofrer, aprendi muito sobre quem sou através deles. Era esse o acordo com esses amigos da alma.

#32 Opiniões

Não sou bom o suficiente para ti, disse-lhe ele. É hora de te libertar das minhas limitações e permitir que encontres a felicidade nos braços de alguém que te faça feliz como mereces. 
Ela respondeu, isso cabe a mim decidir se sou feliz contigo ou não. Se há coisa que aprendi após estes anos todos ao teu lado é que a felicidade nada tem a ver com as pessoas que nos rodeiam e que o maior obstáculo a descobrir a felicidade são as opiniões que criamos sobre as outras pessoas e o que achamos que é o melhor para elas.

#31 O brilho nos seus olhos

Ele via nela a sua fragilidade aparente que os outros tomavam como fraqueza, mas ele sabia que ela era a pessoa mais forte de toda a comunidade. 
Saber ser vulnerável está ao alcance apenas dos fortes. 
Ter a capacidade de ver que o mundo é imenso e sendo nós uma pequena gota desse imenso oceano da vida, de nada serve remar contra a maré, tentando que os outros se comportem como achamos que se devem comportar. 
Ela sabia isso, por isso nunca lhe havia ouvido critica alguma sobre quem quer que fosse. O brilho nos seus olhos eram uma constante.