quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

#57 Reflexo

" Falou em perda de identidade como sendo um fim, passando a ser um mero vegetal. No entanto deixe-me lhe perguntar quem está consciente dessa identidade? Não responda de imediato, deixe que a pergunta mergulhe dentro de si e permita que a resposta, seja ela qual for, surja à superfície."
E assim fez a Daniela, cerrando os olhos, meditando na questão colocada, envolta numa serenidade que era presente naquele espaço. Como que se o tempo estivesse suspenso e nada mais existisse para lá daquele momento, daquele lugar, daquelas duas pessoas na presença um do outro.
A questão reverberava na sua mente e múltiplos pensamentos surgiam num incessante mecanismo para dar uma resposta imediata que justificasse a dúvida levantada. Pensamentos esses que por um lado diziam que era a própria identidade, a pessoa que estava consciente de si mesma. Que sem essa identidade a pessoa não existe. Por outro lado pensamentos surgiam que diziam que antes dessa identidade, dessa pessoa algo estava ciente dessa realidade. Os pensamentos tornavam-se uma amálgama sem conduzir no entanto a uma conclusão. E foi isso mesmo que ela partilhou com o Ricardo.
"Por um lado julgo que sem personalidade não há consciência e muitos pensamentos surgem que sustentam essa ideia. Por outro lado surge também a ideia, a sensação de que há algo que está ciente dessa personalidade, mas que não é essa personalidade, pelo menos não é apenas essa personalidade. Não sei se faz sentido estes pensamentos?Estas ideias?"
"Faz sentido na medida em que é o que surge, na medida em que é aquilo que se faz notar em si neste momento. E como sempre cada um de nós possui em si mesmo todas as respostas, para as dúvidas que surgem. Ainda que por vezes essas respostas pareçam ser contraditórias, na realidade essa contradição serve para testar a veracidade que é delegada a cada uma dessas ideias. Até que se dissipem as dúvidas e a verdade, que é permanente, que é imutável, prevaleça perante aquilo que irá mudar, pois o irreal não permanece, não resiste ao teste da dúvida. Simplificando, criando espaço na sua atenção através da observação a verdade faz-se evidenciar e o que é irreal se desvanece. Logo aquilo que é essa ideia de perda de identidade acabará por perecer perante a verdade que a constitui, perante esse espaço ilimitado de consciência onde se manifesta essa vida que é. Esse reflexo que cada ser humano representa na imensidão do absoluto."
"Sinto essas palavras que me diz como sendo sinceras para mim, como sendo lembranças da verdade que me habita. A ideia de consciência que observa as sensações, os pensamentos que se apresentam neste espaço que considero ser eu. Que essa consciência é anterior a essa ideia de personalidade. E no entanto a minha intuição diz-me que nada disso é necessário para mim, neste momento. Que tudo aquilo que já alcancei é o suficiente para apaziguar a minha existência e tudo aquilo que me havia atormentado ao longo da minha vida, esse medo de perda de controle, já se esvaiu. Na verdade essa sensação mostra-me que não preciso de procurar mais compreender esse medo, que habitando em mim, eu procurava ignorar, procurava através de uma vivência da minha vida sem arriscar, sem me comprometer, evitando assim lidar com esse medo de frente, na esperança que ele fosse embora, ou que pelo menos não afectasse a minha realidade."
"Esse medo só teve a importância que lhe atribuiu, foi a sua atenção que lhe concedeu força e condicionou a sua realidade por forma a evitar ser confrontada a lidar como ele de frente. E no entanto foi esse evitar lidar com o medo que a levou a viver uma realidade limitada e limitadora do seu potencial. Ao elevar o seu nível de consciência, com este processo de autoconhecimento e desse modo olhar de frente essa realidade latente em si, esse medo, que ainda que procurasse arrumar a um canto, voltava sempre para a condicionar, ainda que por vezes não tivesse consciência desse efeitos em si."
" Sim, sim, agora vejo que assim foi. Essa descrição resume bem o que tinha vivido até ter iniciado este processo. A sensação que me dá é que tudo valeu a pena. Pois a leveza que me preenche por estes dias assim o prova."
" Nada ocorre por acaso, só acontece o que tem de acontecer. Quando conseguimos descolar daquilo que temos como sendo a nossa realidade, como sendo a verdade sobre nós. Percebemos que existe um equilíbrio perfeito que une todos os acontecimentos da nossa vida."
" E agora o que se segue?"
" Segue-se o que tiver de ser. A realidade é perfeita e simples assim como é. Só precisamos de estar presentes para a vivenciar e com desapego pelos seus resultados. Porque afinal estas roupagens que vestimos enquanto humanos são temporárias na verdade. São instrumentos que nos permitem jogar o jogo da vida, o jogo da limitação. De outra forma a nossa essência, sendo perfeita, não se poderia experienciar a si mesma, senão através da limitação. Através do relacionamento entre esses reflexos que cada ser humano é face à essência."

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