Sentando-se na cadeira, Daniela sentiu que esta era confortável, o que condizia com o espaço, que sendo pequeno transmitia uma sensação de conforto, uma sensação de paz e harmonia. Estava agora, frente a frente com o Ricardo, sendo esta a sua primeira sessão. Procurava ali encontrar sentido para aquilo que vinha acontecendo com ela nos últimos meses, desde o final do workshop que tivera com ele.
Feitas as devidas apresentações e cumprimentos, a Daniela começou por explicar quais eram os seus objetivos. O que ela queria era ganhar novamente o controle sobre a sua vida, que sentia que havia perdido em face dos últimos acontecimentos na sua vida. Para melhor enquadrar o porquê de estar ali, ela relatou o sonho que havia tido e em que entrava o Ricardo. Ela ficara com a sensação que ele teria um papel importante para que conseguisse alcançar os seus objetivos. Se havia algo que ela detestava, era perder o controle. O não saber o que fazer, o ser assimilada pelas suas dúvidas e perder-se nesse processo.
Após ouvir com atenção tudo aquilo que a Daniela disse, ele perguntou:
"Vejo que o controle é muito importante para si. O que é manter o controle para si?"
"O controle para mim é... ser eu mesma. É saber quem sou e escolher para onde quero ir. Não gosto que as coisas sejam decididas por mim. Andar ao sabor das vontades alheias."
" E quem é você, então?"
" Eu sou a Daniela. Vivo na Maia, trabalho num banco. Sou casada, ainda não tenho filhos. E tenho conseguido atingir os meus objetivos, porque sempre estive ao leme da minha vida. Nunca deixei os outros escolher por mim."
"O que acha que aconteceria se perdesse o controle?"
"Tenho receio de me perder, de deixar de ser quem sou. Para ser totalmente honesta e para que perceba de verdade aquilo que penso sobre isto. Tenho de lhe contar o porquê desta necessidade de controle. Para mim trata-se de uma questão de sobrevivência. Uma questão de manter a sanidade mental. Quando tinha catorze anos houve um acontecimento que me marcou bastante e à minha família..." Fez uma pausa, vendo-se que estava a ficar emocionada ao proferir estas palavras, continuou dizendo: "tenho uma irmã mais velha a quem foi diagnosticado esquizofrenia, mas até chegar a esse momento aconteceram episódios que foram marcantes. Tudo começou com choros descontrolados, acompanhados de relatos que não faziam sentido, do género de que tinham levado o seu filho, que andavam atrás dela. Coisas desse género, o que assustou bastante todos nós lá em casa, sem saber o que fazer. Os meus pais levaram-na a vários especialistas e foram obtendo alguns diagnósticos diferentes, desde esgotamentos, depressões, psicoses até que chegaram a esquizofrenia. Ao longo desse processo em que foi acompanhada por diferentes especialistas, foi tomando medicação, que de alguma forma pioravam as coisas, devido aos efeitos secundários, fazendo com que por vezes surgissem episódios de violência. Resumindo, como deve imaginar tudo isto foi muito desestruturante na família. Ninguém estava preparado para uma situação daquelas. Eu nunca tinha ouvido falar deste tipo de doenças. Logo tudo isto foi um choque para mim e prometi a mim mesma não me deixar perder o controle. Perder a noção de quem eu era. E procurei ler tudo o que podia sobre saúde mental, desde que ligado à ciência. Como é natural, os meus pais procuraram respostas em tudo o que era sitio, desde a medicina convencional à alternativa, passando pela religião até às mezinhas populares. Tudo tentaram. Hoje está estável tomando a medicação convencional para estes casos. Ainda que viva num mundo só dela. Como vê, é dai que vem a minha necessidade de controle."
" Isso que me contou é uma história. É algo que ocorreu no passado, mas que ainda está bastante vivo dentro de si. É notório pela forma como me contou e como isso a afecta. É perfeitamente natural que esse tipo de doença, do foro mental, que ainda é uma área, onde apesar dos progressos da medicina tradicional, muito há ainda a conhecer. Seja uma área que mais receio incuta nas pessoas, precisamente pelo desconhecido e pelos efeitos que se manifestam nas pessoas que padecem dessas doenças. Mesmo nas medicinas alternativas existem poucas explicações para esse tipo de doenças. Aquilo que é a minha visão disto, pode ser visto sob dois níveis, se quiser. E que são, num nível de entendimento humano este tipo de doenças são um confronto connosco próprios, servem como um despertar para irmos ao encontro sobre quem somos. Que nos voltemos para dentro e permitamos a essência brotar na nossa consciência. A vida vai nos dando sinais para que despertemos, por vezes o que acontece é que ignoramos esse chamado. Dai que a vida nos envie sinais mais fortes que nos façam mesmo reparar naquilo que temos de reparar para que lidemos de frente com essas situações, por vezes de limite, como as doenças e acidentes; e então sim possamos ao lidar com essas situações elevar o nosso nível de consciência e conhecer quem somos de verdade. O outro nível que referi, tem a ver com a nossa essência, ela é perfeita como é. É um espaço de consciência que se manifesta em múltiplas formas e que através destas experiências humanas se experiencia a si mesma. Através destas limitações lidando umas com as outras, a consciência torna-se ciente de si mesma. E estas doenças servem para que os humanos tenham uma espécie de "lembrete" que lhes faz despertar deste condicionamento e relembrem que não somos um corpo e a mente que o controla. por muito que o corpo "sofra" a nossa essência é imutável e perfeita assim como é. No entanto esse despertar para a verdade não acontece com todos os humanos, podendo no entanto qualquer um despertar se assim o escolher. Acontece com alguns que servem de exemplo e guias para os restantes por forma a lhes recordar que aconteça o que acontecer nesta vida humana, nada pode beliscar a essência una. E que pegando no seu caso, não tem mal nenhum perder o controle, porque na verdade não tem esse controle. É essa necessidade de controle que impede de relembrar quem é de verdade e no entanto como tudo é perfeito e equilibrado como é, acontecem este tipo de situações que nos fazem perder o controle para vermos que nunca o tivemos e que nem precisávamos de o ter."
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