terça-feira, 5 de novembro de 2013

#24 Reflexo

Mergulhada nas suas rotinas e tentando cumprir aquilo que o Ricardo lhe havia pedido, Sara esforçava-se por observar os seus pensamentos. No entanto os pensamentos eram uma catadupa constante e tentar parar para os observar, era uma tarefa que lhe parecia impossível, por mais que tentasse ela era engolida pelos pensamentos que eram maiores do que ela. O tamanho dos pensamentos absorviam todo o espaço da sua atenção, ela era os seus pensamentos, sempre fora assim, como poderia ser diferente agora, como poderia deixar de ser como era e observar quem julgava ser. Ela mantinha a sua rotina, pelo menos esta rotina permitia algum conforto emocional na sua vida, eram elas que davam algum sentido ao seu dia-a-dia, alguma segurança que auxiliava a integridade da sua sanidade mental. Nos momento de maior desespero que havia passado eram as rotinas que serviam de bóia de salvação para continuar, ainda que dormente, mas ainda assim podia continuar, até que algo a pudesse resgatar de novo para a vida.  Ela levava muito a sério as suas rotinas, começando o dia sempre à mesma hora, levantando-se às sete e trinta da manhã, cuidando da sua higiene pessoal, ocupando-se de si durante trinta minutos todas as manhãs, para mimar a sua aparência física. De seguida preparava o seu pequeno almoço, composto por uma chá e uma torrada banhada em manteiga, e acompanhado pela leitura de mais umas páginas do livro que tivesse a ler no momento, pois ela devorava livros sem cessar, eram parte natural dela, tal como o respirar. Procurava nos livros por vezes alargar horizontes e noutros casos escapar à sua vida, podendo viver por interpostas personagens, outras vidas, outras aventuras que julgava, lhes estarem vedadas à sua realidade. Os livros podem ser um convite ao autoconhecimento, um divagar pelo interior da mente ao encontro do Ser. E a Sara tinha encontrado nos livros um guia de descoberta interna que lhe tem permitido alargar os seus horizontes, encontrando respostas a muitas das suas duvidas, e também muitas novas duvidas que emergiam a cada instante. Após a leitura e terminada a sua primeira refeição e ao contrário da maioria das pessoas ditas "normais" que seguiam para os seus empregos, ela como não tinha um emprego, começava o seu dia de labor com uma meditação. Ou pelo menos forçava-se a tentar meditar pois o ruído da sua mente era constante e raramente, senão pro breves segundos, conseguia silenciar a mente e relaxar por completo. Agora, e tentando seguir a recomendação do Ricardo, ela meditava com vista a observar esse ruído que os pensamentos incessantes deixavam com rasto na sua mente. Mas o esforço era inglório, os pensamentos eram mais fortes que a sua vontade, quando tentava observá-los, eles vinham e resgatavam-na do presente fazendo-a divagar para o passado, relembrando todas as mágoas, todos os ressentimentos e culpas não assumidas por aqueles que ela tinha como responsáveis pelo seu sofrimento. E então ela desistia e seguia para a tarefa seguinte, que passava por fazer uma caminhada no parque público local, onde ai sim conseguia observar as pessoas que passeavam, principalmente jovens mães lidando com os seus bebés, pessoas correndo; as corridas eram uma moda recente que cada vez mais adeptos agregava, seria uma forma de as pessoas fugirem de quem eram de verdade e das suas vidinhas, interrogava-se a Sara, como se a corrida servisse de escapatória à banalidade do normal, do torpor do dia-a-dia. Após a sua caminhada que lhe completava o restante da sua manhã até à hora do almoço, que invariavelmente fazia em casa com a exceção das sextas, dia em que almoçava com a sua mãe; momento em que esta aproveitava para lhe encher a cabeça de ideias sobre como devia de casar, assentar a sua vida, ter alguém ao seu lado para lhe amparar e que lhe desse uma família e ela terminava sempre essa conversa dizendo que o que tiver de ser será, quando aparecer a pessoa certa as coisas aconteceriam normalmente. As tardes eram mais variadas,pelo menos duas tardes eram dedicadas a trabalhos manuais, fazia pequenas peças de artesanato como carteiras, bolsas, com todo o tipo de materiais que pudesse reciclar; e que depois vendia junto de amigas e conhecidas destas, angariando assim algum dinheiro que ajudava a fazer face ás suas despesas. Nas restantes procurava investir em si, fazendo workshops de variados temas, sempre que fossem gratuitos ou que pudesse trocar por valor do seu trabalho. Procurava encontrar o caminho certo para ela, e era nisso que estava apostada neste momento ao fazer as sessões com o Ricardo. O dia terminava com um jantar frugal em casa em frente à televisão devorando séries norte americanas, até à hora de se deitar, o que ocorria por volta das onze e trinta.

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