Os pensamentos colam-se uns nos outros compondo a imagem que temos sobre quem somos. Eles tornam-se companheiros habituais e pela sua persistência e companhia levam-nos a acreditar que somos só assim, tal como eles nos dizem que somos. E no entanto pode surgir o momento em que descobrimos que eles se podem descolar. Nesse momento, ainda que breve, tudo se quebra. Essa ideia de que falta algo, que precisamos de algo mais para sermos inteiros. Como momento que é, ele termina e os companheiros habituais retomam o seu lugar, assumem o palco e lideram o espetáculo de novo. Só que agora uma pequena brecha se abriu, e por essa pequena brecha a luz vai escapulindo, levemente, sem se fazer notar. Ela não necessita de subir ao palco, pois ela existe em cada ponto do palco, antes do palco e para lá do palco. Para quê ser protagonista num pequeno palco, quando se é a plenitude da existência. Deixemos brilhar os pequenos palcos que surgem, desfrutando do espetáculo que nos trazem.
O que verdadeiramente procuramos não é fazer com que esses palcos deixem de existir, mas sim que deixemos de nos limitar pelos mesmos, achando que somos apenas isso e sofrendo todas as agruras do irrepetível, como se a nossa existência dependesse do bom desempenho desse palco, de acordo com aquilo que achamos ser um bom desempenho. Uma necessidade de controlar o desenrolar das cenas procurando assim não cair do palco abaixo, fazendo para isso tudo o que estiver ao alcance para evitar o desconforto da cercania das extremidades do palco, resignando a vivência ao conforto conhecido do centro do palco onde todos se movimentam, ainda que por vezes ocupando o espaço de outros.
Quando o momento das brechas se apresenta, a luz interior vai fazendo o seu caminho em pezinhos de lã, sem pressas, pois ela sabe da sua eternidade. Apenas no palco o tempo se faz sentir, apenas no palco o tempo encontra utilidade, como um conceito que permite pautar os movimentos e dar alguma coerência sequencial ao desenrolar das estórias que ai vão passando.
A seu tempo a luz vai ocupando o espaço que nunca deixou de ser o seu, apenas temporariamente se fez esquecer na ideia daqueles que pisam o palco, até que estes estejam preparados para relembrar quem são e já, não mais possam ser ofuscados pela luz que irradiam e da qual são também fonte.
Tal como aconteceu com a Sara pode-se dar um click, que não é mais do que uma pequena brecha pela qual a luz desliza e que vai preparando para a realização da verdade, para o encontro com a essência.
No entanto a base para a consolidação desse relembrar passa pela aceitação do momento tal como ele é e nesta fase inicial, como o que esta a ocorrer à Sara, os pensamentos continuam a reinar, pois eles absorvem a sua atenção. Ainda que ela tente, seguindo as indicações do Ricardo, observar os pensamentos - o que vai conseguindo por breves momentos - estes continuam a absorver a sua atenção. Mas através da persistência ela conseguirá direcionar, cada vez mais, a sua atenção.
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