quarta-feira, 20 de novembro de 2013

#31 Reflexo

Era chegado o momento de mais uma sessão com o Ricardo, aquilo a que a Sara já considerava o momento alto da sua semana. Ricardo começou por perguntar:
"Então Sara diga-me como foi sua relação com os seus pensamentos esta semana?"
"Pois, essa relação tão tem sido fácil, a fazer jus com todos os relacionamentos que tive até aqui. Tenho feito um esforço por observar os pensamentos, como me sugeriu fazer, mas a verdade é que tem sido complicado consegui-lo. Sempre que tento observar os pensamentos, eles surgem com tremenda força, que me envolvem por completo. Como se os pensamentos e eu fossemos uma e a mesma coisa." 
O Ricardo ouvia com atenção tudo aquilo que a Sara dizia, não só através das palavras que lhe saiam da boca, mas também da linguagem do seu corpo. Reparava como ela se movia ligeiramente quando expressava a sua incapacidade de resistir aos pensamentos, reparava na expressão perdida dos seus olhos, perante aquilo que ela considerava ser a sua impotência de se observar. E continuou a ouvir o que ela lhe dizia.
"Os pensamentos são na maioria das vezes de reprimenda, fazendo-me lembrar que tenho falhado, que não consegui nada de relevante até agora. Com a idade que tenho e olhando ao meu redor, não tenho nem estabilidade financeira, nem uma família que possa cuidar, ou sequer uma carreira que pudesse de algum modo justificar e compensar os insucessos nas restantes áreas da minha vida. Relembram-me esses pensamentos aquilo que a minha mãe me vem cobrando vezes sem conta, ainda que o faça porque me ama, para que eu assente e crie uma família. Outras vezes os pensamentos resvalam para os meus relacionamentos amorosos falhados, da dor que ainda me causam as memórias dessas relações que tanto levaram de mim e que tão pouco me deram. Estarei a ser injusta? Será que me resta ser apenas uma vítima das circunstâncias?"
O silêncio ecoou as palavras da Sara, mantendo o Ricardo o contacto visual com ela, mirando-a nos olhos, nesse azul claro como o mais radioso céu de uma tarde serena de verão. Com uma respiração calma, inspirando vida em cada célula do seu ser e exalando qualquer distração do agora.
"Quer que eu lhe diga qual é o seu verdadeiro problema?" Disse o Ricardo, "aquilo que considera um problema, porque eu prefiro encarar essas situações como desafios. Aquilo que de verdade a perturba mais, não são todas essas situações que referiu que os seus pensamentos lhe fazem recordar constantemente. A questão está em que se identifica totalmente com esses pensamentos, está apegada a eles e deixa-se consumir por eles, deixa-se afogar nos mesmos e esquece-se de respirar a verdade que está sempre presente em si, como em todas as coisas. Os pensamentos por si só são neutros, como todas as coisas naquilo a que chamamos de realidade... é a nossa relação com eles, a interpretação que lhe damos que os tornam como bons ou maus para nós. E eles ganham mais força através da atenção que lhes dispensamos." A Sara aproveitou o momento para concordar com o Ricardo e partilhar o click que se havia dado com ela nessa semana, relativamente à atenção, ela tomara a consciência que não era os seus pensamentos e que era a atenção que lhes dedicava que os tornava mais relevantes ou não. E Continuou dizendo: " Só que uma coisa é chegar a essa conclusão, o que por si só, para mim, já foi um grande progresso. Outra coisas diferente é depois na pratica, na realidade do dia-a-dia dar uso a essa consciência, usar a atenção para gerir os efeitos dos pensamentos. Isso é que eu ainda não sei como fazer inteiramente." Concluiu a Sara. O Ricardo anuiu com ela e disse :
"Depende apenas de si fazer dessa assunção uma realidade a ser vivida em cada momento. Pois o facto de achar isso difícil é em si mesmo mais um pensamento e como acredita nele e o alimenta através da sua atenção, isso terá um reflexo na sua realidade que lhe mostra como os pensamentos vem e tomam conta de si. O facto de já ter ciente que não é os seus pensamentos e sim o espaço onde eles ocorrem, é o principio da sua libertação - fazendo o gesto no ar das aspas enquanto dizia libertação - do relembrar de quem é de verdade. E no entanto não é preciso acelerar as coisas, tudo acontece como tem de acontecer e quando estamos preparados para que aconteça. Quanto mais focada no momento presente estiver, quanto mais se permitir observar o que acontece, pelo que acontece, mais em fluxo está com a vida. Pois de facto a vida não é algo que nos acontece, mas sim aquilo que nós somos."

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