A Sara estava cada vez mais empenhada em seguir os conselhos do Ricardo, sobre permitir-se observar os pensamentos que ocorrem em si, sem se apegar, sem ir atrás deles. Permitindo-se apenas reconhecer as sensações, as emoções que a perpassam em face de tais pensamentos. Focar-se nos espaços entre pensamentos, ainda que lhe seja difícil percecionar tal espaço. Lentamente tem conseguido notar nesse breve intervalo entre pensamentos e cada vez que pratica, maiores parecem esses intervalos intercalando os pensamentos que assomam na sua mente. Uma prática que a tem ajudado bastante, é a atenção plena, como lhe explicou o Ricardo, essa prática passa por estar presente, plenamente presente em cada momento como ele é. Ela gosta de o fazer notando a respiração, no caso dela a sua respiração é predominantemente abdominal e como tal ela gosta de reparar no seu abdómen a estender quando inspira e a distender quando expira, sem forçar o movimento natural da respiração, apenas estando atenta a ela. Outro momento onde ela gosta de praticar a atenção plena é na realização das tarefas domésticas, enquanto antes nesses momentos ela perdia-se nos seus pensamentos, na realidade eram uma tortura permanente sempre se culpando pela vida que levava, pelos falhanços dos seus relacionamentos. Agora eram um momento de contacto consigo própria apenas observando-se a cumprir as suas tarefas. E como eram diferentes os resultados que conseguia e muito mais breves eram essas tarefas. Procurava usar a atenção plena a maior parte do seu tempo, nas mais variadas situações, ainda que por vezes o piloto automático surgia e levava a sua atenção para bem longe. Fosse vagueando pelo passado, na maioria das vezes, ou divagando num futuro imaginado, de um suposto ideal onde tudo seria perfeito e maravilhoso, sem dificuldades ou entraves.
Num desses momentos em que divagava num futuro imaginário, foi interrompida pelo toque do telefone. Era a Daniela a convidá-la para lancharem juntas e colocar a conversa em dia. Combinando encontrar-se numa esplanada junto ao mar, pois o dia solarengo convidava a um aconchego da brisa marítima. Chegadas ao local abraçaram-se e abandonaram os seus corpos ao conforto de uns pufes para melhor poderem saborear a conversa que encetaram.
" Então conta-me como tens passado Sara, quero saber as novidades dessas tuas sessões com o Ricardo."
" Tem corrido tudo muito bem. Os progressos são já visíveis para mim. Os momentos de tortura dos meus pensamentos, que me assolavam frequentemente, são cada vez mais raros. Já começo a ter a capacidade de observar os pensamentos que surgem sem me deixar absorver totalmente por eles. Claro que tenho momentos de desconforto, de dor até, mas a sensação que apesar disso, tudo está bem. Seja o que for que surja em mim, a certeza de que a minha essência continua sendo como é. Isso dá um grande alívio. E tu, como tens passado?"
"Tem-me acontecido algumas coisas, de certa forma estranhas, pelo menos da forma como as vejo. O tipo de coisas que julgava que eram fantasiosas, de pessoas que se deixam influenciar facilmente. O termo que normalmente se usa, é o de sincronicidades. Do género de estar a pensar numa pessoa que já não via a algum tempo e de seguida ela liga-me. O mais estranho no entanto foi um sonho que tive no outro dia. Nesse sonho entrava o Ricardo, vê lá tu!"
" A sério! Conta-me tudo, como foi isso?"
"Deveras estranho o sonho. Aquilo que me lembro é que estava caminhar no parque da cidade e de repente vejo um clarão, entre as árvores, o que me chamou a atenção. Mas em vez de me assustar. Sentia uma pulsão para me aproximar. Para ir de encontro ao clarão. E assim fiz, caminhei em direção ao clarão e atravessei-o. Do lado de lá, estava o Ricardo com um sorriso a rasgar o rosto e estendendo a mão para mim. Disse-me ele 'bem vinda a casa' e uma sensação de paz e serenidade inundou o meu corpo, até que me vejo a perder as formas. Como que estava a ficar invisível o meu corpo. Continuava a ver os seus contornos, só que parecia que já não havia corpo. Tudo era energia. O Ricardo também tinha essa aparência. De seguida revi a minha vida toda, mas de uma forma em que tudo encaixava perfeitamente, tudo o que aconteceu fez sentido e não podia ter ocorrido de outra forma. Pois na verdade tudo foi acertado por mim, como experiência que teria de passar, antes de nascer nesta vida. O mais engraçado é que só recordo do meu passado até agora. Nada do meu futuro surgiu no meu sonho. Ou se surgiu, eu não me recordo. A última coisa que me recordo, do sonho, foi uma frase do Ricardo para mim e que dizia 'Conhece-te de verdade, liberta-te do medo do desconhecido.' Depois acordei. O melhor foi que a sensação de paz continuava presente em mim. Uma sensação de leveza e calma e que lentamente se foi desvanecendo no decorrer dos dias seguintes."
" Muito bom, sra. cética. Boas noticias me contas. E o que pensas fazer agora?"
"A frase não me sai do pensamento, conhecer-me de verdade e libertar-me do medo do desconhecido. Quero aprofundar isso, pois como te disse, esse sonho foi um cumulativo às sincronicidades que tem acontecido. Por muito que quisesse, não tenho como ignorar tudo isto que tem acontecido. E estes eventos começaram pouco tempo após a minha participação no workshop do Ricardo. Onde te conheci. Respondendo ao que perguntaste, agora estou a pensar em marcar uma sessão com o Ricardo a ver se ele me pode ajudar. Pois se ele surgiu no meu sonho e daquela forma, poderá ser um auxílio ao encontro das respostas para todas essas situações."
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