Perscrutando os seus pensamentos que sinalizavam as dúvidas que a assolavam, caminhando ao longo de um fio de fronteira entre duas realidades que tinha como inconciliáveis. Por um lado Daniela pendia para o seu lado mais cético e racional que lhe dizia que tudo aquilo que tinha experienciado ultimamente era uma mera ilusão. O fim último dessas experiências só poderia ser uma irreparável perda de controle, perda de identidade e uma entrega a viver desligada do mundo, a alienar-se num recanto sombrio da sua mente e perdendo todo o fulgor da vida que a circundava.
Por outro lado, o seu lado intuitivo sinalizava que podia abdicar da ideia de controle, que tudo era isso mesmo uma ideia e que nada a podia condicionar em essência. Todas as experiências e ocorrências que vinham acontecendo na sua vida, não eram obra do acaso, ela sabia que nada acontece por acontecer,sem um fundamento.
O facto de ter-lhe sido indicado o Ricardo e a mensagem que ele partilha, assim como todas as sincronias que vinham acontecendo, só podiam ocorrer embutidos de um sentido. Tal como todos os acontecimentos que constroem a história da sua vida faziam sentido que tivessem sido dessa forma e não de outra qualquer. Essa certeza vinha cimentando dentro de si desde que tivera o sonho de se encontrar numa outra dimensão e ai vira a sua vida como um todo até àquele momento e entendera a conexão entre cada situação; como um cordão encadeado, onde cada acontecimento levara ao seguinte e que sem o anterior o seguinte não teria existido.
Ainda que essa sensação de plenitude a preenchesse, o que era certo para si, era a dúvida que tomava de assalto a sua atenção. Caminhando sobre esse ténue fio de fronteira entre essas duas certezas, ela sabia que não o poderia consentir por muito mais tempo. Pois tal situação drenava, cada vez mais, a sua energia e vontade para se movimentar no mundo, para lidar com a realidade do seu dia-a-dia.
Ela resolveu conversar com a Sara, que estava também ela a atravessar um processo de autoconhecimento e de conexão com a sua essência. E Podiam assim falar a mesma linguagem, sem ser vistas como tresloucadas, como desfasadas da realidade.
No dia combinado encontraram-se para partilharem tudo aquilo que estava a ocorrer nas suas vidas, procurando na troca de experiências encontrar mais luz para a situação individual de cada uma.
"Olá Sara, vejo-te com bom aspeto." Ao que a Sara respondeu de imediato, "tu também, estás muito bem".Cumprimentando-se com dois beijos na face.
"Estava com muita vontade de conversar contigo, Sara. Estou um pouco dividida neste momento. Como sabes já fiz a minha primeira sessão com o Ricardo, após o sonho que tinha tido com ele, e que te contei da última vez que nos vimos. Por um lado a certeza de que tudo acontece como tem de acontecer e que a minha vida até aqui, foi como tinha de ser, para que eu chegasse a este momento. Sabendo que nada pode condicionar a essência, aconteça o que acontecer. E que é contrariada pela outra certeza de que nada disto é real, que indo por este caminho poderei perder-me, e deixar de ser quem sou. Poderei alienar-me da sociedade e nunca mais voltar a ela, deixar de funcionar como devia e orientar a minha vida, como gosto de fazer." Suspirando e olhando nos olhos da Sara, que a ouvia com atenção, terminou dizendo, "como vês uma barafunda é o que vai aqui dentro" e apontou com o dedo à sua cabeça.
A Sara disse de seguida " sim , vejo que essa dúvida está presente e que arrebata a tua atenção, pela forma como me descreveste.Mas aquilo que já tenho consciente em mim, com todo este trabalho que tenho feito é que na verdade não é necessário fazer opção alguma. As opções surgem por si mesmas quando deixamos que assim seja. Quando nos permitimos deixar de tentar controlar a vida, esta mostra-nos o caminho. Como já alguém disse, não me recordo quem, devemos deixar de fazer planos para a vida de modo a não estragar os planos que a vida tem para nós. Não sei se a frase era bem assim, mas a ideia é essa. Deixando de fazer planos ficamos livres para viver de facto aquilo que a vida nos dá em cada momento. Tal como diz o Ricardo, a vida não é algo que nos acontece, mas sim algo que nós somos. Confesso que ainda não compreendo na sua totalidade esta afirmação, mas cada vez faz mais sentido para mim, de acordo com aquilo que vou experienciando na minha realidade. Ao falar assim até pareço que tenho tudo muito resolvido em mim, mas ainda não é o caso. Acredito que ainda tenho muito trabalho a fazer em mim. A única diferença e que me faz crer que vou conseguir, é poder contar com a orientação do Ricardo, com o exemplo que ele me dá, de que é possível."
A Daniela disse então, "percebo que o vejas desse modo, eu própria após a primeira sessão que tive com ele, reforcei a ideia que tinha sobre ele adquirida no workshop que fizemos. Nesse workshop já havia mexido comigo, senti coisas que nunca tinha sentido. Como que encontrei uma parte de mim que estava escondida e que ai começou a ressurgir. E com o sonho que tive tudo isso ganhou mais força, mais vida, se assim o posso dizer. Tendo servido esta sessão que tive com ele para confirmar que de facto há algo mais em mim. Que há essa alternativa de existir para lá daquilo que acreditava ser. Pois essa, que acreditava ser, tem uma necessidade permanente de controle, para poder se sentir segura, confortável. Mas como te disse tudo isso está abalado agora. A dúvida instalou-se com esta visão alternativa sobre aquilo que é a verdade sobre o que sou. Até que possa encontrar alguma clareza que faça dissipar todas as dúvidas e permitir que uma escolha seja feita. Seja essa escolha feita ativamente por mim ou não, mas que surja essa escolha, por forma a que tudo se resolva. Que o caminho seja decidido para que o possa percorrer."
" A minha intuição sobre tudo isto que estamos a falar diz-me que todas as dúvidas se dissiparão quando deixarmos de procurar as respostas. Que no momento certo as respostas surgem. De nada serve estarmos a desperdiçar a nossa energia a tentar perceber e resolver todas estas questões, pois esse esforço cria mais obstáculos do que certezas." Terminou dizendo a Sara, fazendo com que um manto de silêncio se estendesse sobre elas.
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