Chega,
chega, chega, não quero sentir mais pena de mim. Estava tomada a decisão que
mudaria a sua vida, ela sabia que não lhe interessava mais viver como sempre
havia vivido até então. Só problemas e mais problemas e sempre sentindo-se indefesa,
impotente para agir e resolver o avolumar de problemas que explicavam a sua
existência. Se a vida lhe dava essas situações então alguma utilidade elas
teriam e em vez de as rejeitar como sempre fez, ela decidiu olhar para elas de
forma diferente, procurando ver essas situações tal como eram e não como
ataques pessoais para seu mal.
quinta-feira, 30 de junho de 2016
#89 Ciclo incessante
A
dor rasgava a sua presença na vida, queria que desaparecesse, que terminasse,
de uma forma ou de outra, o que ela queria era o fim de tal dor ou então que
terminasse a sua vida, nada mais fazia sentido, nenhum propósito a mantinha
desejando viver. Cada recanto do seu ser berrava de dor, cada centímetro do seu
existir clamava que cessasse. O que teria feito que justificasse tal
sofrimento, que mal teria realizado para merecer tal castigo. Tudo ideias que
inundavam a sua mente e no entanto eram essas ideias o alimento da dor que
sentia, num ciclo incessante.
#88 Insuportável
Houve
um momento onde se deu o click, aquilo que antes lhe parecia insuportável era
agora visto como suportável, porque de facto o estava a suportar, ela estava a
lidar com a situação, ainda não tinha morrido, então estava a suportar aquilo
que antes lhe parecia insuportável e essa ideia ressoou dentro dela de uma
forma clara. A única diferença não era a situação que continuava a existir de
igual modo e sim o modo como ela via essa situação. Sendo aparentemente um pormenor
fazia uma imensa diferença no modo como se sentia perante a situação. Nada mais
seria igual.
#87 Uma outra forma
Andava cada vez mais desgostosa com a vida que levava,
o seu trabalho não a preenchia, apenas o mantinha por necessidade do dinheiro
para pagar as contas, mas nada do que fazia a interessava mais, limitava-se a
cumprir as suas obrigações, mantendo as rotinas. As mesmas pessoas que tinha de
ver todos os dias, procurando não se importar com as suas manias, os seus trejeitos,
que cada vez se tornavam mais insuportáveis. Na verdade essas pessoas
comportavam-se como sempre se haviam comportado, era ela que estava diferente,
aquilo já não lhe servia. Teria de haver uma outra forma de viver.
#86 Energia
Tudo
começou numa troca de olhares, sem saber porquê, ela não conseguia tirar os
olhos dele, mais do que atração física, aquilo que a impelia a manter o olhar
era a energia que emanava dele, ainda que ela não o soubesse explicar então,
algo nele apelava uma sensação de paz e harmonia no seu ser. Um breve sorriso
dele fez com que despertasse e meio embaraçada desviou o olhar, e a sensação de
paz que brotava do seu coração desvanecia a sua intensidade. Isso fez com que olhasse
de novo na direção dele a ver se faria diferença. Havia partido.
quinta-feira, 23 de junho de 2016
#85 Sensação de paz
Exaurida
de esperança, descrente de que merecesse algo mais da vida, decidira deixar de
resistir e entregar a Deus, ou quem quer que existisse, pois a descrença que
sentia era tal, que duvidava que Deus algum existisse. No meio de tal descrença
algo se tornou evidente e claro para ela, na verdade tudo se passava na sua
cabeça, porque ao seu redor tudo permanecia igual, apenas os seus pensamentos
mudavam. Uma ideia forte emergiu, a personalidade que pensava ser não era real,
tudo não passava de uma estória. Simultaneamente a esta ideia uma sensação de
paz aflorou à sua pele.
#84 Basta
Todos
os planos falharam, nunca nada aconteceu como desejava que acontecesse, no
entanto estava decidida a saber mais. Queria obter respostas para a vida que
havia vivido até então, não queria desperdiçar nem mais um minuto que fosse
procurando alcançar os seus desejos para ver a realidade a desmontar cada um
deles de uma forma sofrida para si. Basta, basta, basta, pensava, não quero
mais isto, a continuar assim não vale a pena mais viver. Prostrada no chão da
sua humilde casa, sem forças queria apenas perceber o que era esperado dela, o
que Deus pretendia dela. Esperava um sinal.
#83 Procurar entender
Nada
acontece por acaso e se a vida lhe havia dado tanta provações algum propósito
haveria nisso tudo. Estava decidida a deixar de lutar contra as evidências, a
vida queria algo de diferente para ela do que havia imaginado para si. Sempre
pensara que teria uma família para cuidar, uma forma de a sustentar e que nisso
encontraria a sua felicidade. No entanto nada disso havia acontecido ainda,
levava uma vida precária, feita sobretudo de dificuldades, tudo era difícil para
ela, nada conseguia sem grande sofrimento primeiro. Será que estava vedada a
viver a felicidade que tanto desejava? Mereceria mais?
#82 Propósito
Perante
tantas dificuldades que sempre teve de enfrentar ao longo da vida e farta de
tanta luta, de tanto sofrimento, ela interrogava-se cada vez mais sobre o
propósito disto tudo, a razão pela qual as coisas eram como eram. Teria de
haver uma outra forma de ver as coisas, uma justificação para que tudo fosse
assim como era e ela ter de passar tantas provações, só poderia haver um
significado colado a tudo isto. De outro modo nada faria sentido, sem haver um
propósito, nada faria sentido. Essa sensação preenchia cada vez mais a sua
atenção. Tudo tem um propósito.
quarta-feira, 8 de junho de 2016
#81 Dúvida
Ela
pensava para si mesma, não sei o que há, não sei o que é verdade ou ilusão. E
essa sensação permanecia com ela assaz tempo. Ocupava toda a sua atenção, mesmo
quando fazia as suas rotineiras tarefas diárias, essa sensação de incerteza, de
dúvida existencial estavam lá. Uma sensação estranha de que quem ela acreditava
ser, não passava de uma ilusão. Sentia que não podia ser apenas aquele rosto
que via no espelho, aquele corpo que se movimentava pela vida. Estaria a ficar
louca, interrogava-se. Seria isso um sinal que se estava a afundar e que
perderia a razão?
#80 Validação
Tinha
que haver uma outra forma de fazer as coisas, uma melhor forma de agir para que
a situação pudesse melhorar. Ela não tinha mais forças para aguentar tal
situação, era insuportável continuar tudo igual. A dor perpassava o seu ser e
não sabia como diminuir tal dor, tal sofrimento. E no entanto ela estava
aguentando tal situação havia já muito tempo, na realidade, ainda que
inconsciente, ela baseava a sua existência, a validação da sua existência, no
suportar de tal situação. Ainda que dolorosa, essa situação era o ar que a
alimentava e lhe dava uma razão para viver.
#79 Mudar
O
julgamento estava sempre presente, tinha sempre que criticar o que estava a
acontecer ao seu redor e como ela detestava que as coisas na sua vida não
fossem como gostaria ela que fossem. Se ao menos as mudanças que tanto
procurava incutir nas pessoas mais próximas produzissem alguns efeitos, mas ela
achava que não havia emenda, aquelas pessoas não mudavam, nem por nada. Por
muito que fizesse, por muito que chamasse à atenção e discutisse com essas
pessoas, elas continuavam a ter o mesmo tipo de comportamentos que sempre
tiveram. Tal como ela continuava agindo como sempre havia feito.
#78 Caminhando
Quando
caminhava ela não caminhava apenas, mas sim estava envolta nos seus
pensamentos. Nesse diálogo interno incessante na sua mente e do qual não tinha
descanso. Sempre preocupada com o que tinha de fazer, sempre remoendo no
passado e no quanto achava que a vida tinha sido injusta com ela até então.
Ansiando por um futuro melhor onde pudesse conhecer alguém que a amasse de
verdade, que cuidasse dela, pois ela estava cansada de ser ela a ter que cuidar
dos outros e não ver reconhecimento algum. Pulando entre temas esse diálogo era
interminável e no entanto a caminhada continuava.
terça-feira, 7 de junho de 2016
#77 A busca
Vagueando
pelo mundo perscrutava cada recanto da sua mente em busca das memórias construídas
com ela. Dos momentos em que teve a oportunidade de a amar verdadeiramente e de
lhe mostrar isso mesmo. Só quando se perde aquilo que antes se dava por
garantido é que se dá valor ao quanto tinha, ao quão feliz era. Mas a constante
insatisfação, a procura do que não tinha, uma suposta ideia de perfeição inalcançável,
porque de verdade quem busca apenas encontra a necessidade de continuar a
buscar. Sendo essa mesma busca que impede de ver o quão perfeito e pleno já é.
#76 Amor- próprio
Só
quando se viu na iminência de a perder é que tomou consciência de quanto a
amava. Nem sempre soube valorizar suficientemente o que sentia por ela e
fazê-lo refletir nas suas atitudes e comportamentos com ela. Era mais simples
culpá-la de tudo e descartar responsabilidades, se ela quisesse tudo poderia
ser mais simples, mas não, com ela, segundo acreditava até então, tudo tinha
que ser como era suposto ser. Quando na verdade era ele que procurava forçar a
realidade para que fosse como ele achava que deveria de ser. Não tinha ciente
ainda que na verdade não se amava.
#75 Ilusoriamente reais
Num
momento de lucidez vislumbrou a realidade tal como ela é. De facto a vida não
conspirava contra si, ninguém deliberadamente agia para que ele falhasse. Tudo
isso era resultado da estória que contava si mesmo e como tal procurava as
evidências que a sustentava. Reparou que na verdade não havia esse alguém a
quem pudessem acontecer tais injustiças, como pensava até então. Tudo aquilo
que ele pensava e tudo aquilo que ele fazia, girava em torno de uma
personalidade que não existia na realidade. Tudo eram estórias criadas sobre
uma estória e só o apego as tornava ilusoriamente reais.
#74 Injustiça ilusória
Envolto
nos seus pensamentos, mergulhado nas suas estórias, ele via como tudo começava
a ruir à sua volta. E no entanto continuava a culpar os outros, as
circunstâncias ou a falta de sorte, pela sua situação. Sentia que merecia mais,
que a vida lhe era injusta e que se houvesse justiça ele estaria muito melhor
do que estava naquele momento. Ele acreditava que tinha muito valor, mas o
mundo não lhe concedia a oportunidade de o demonstrar. Se alguém reparasse no
quanto tinha para dar, no quanto ele podia fazer a diferença na vida dos
outros, tudo seria diferente certamente.
quarta-feira, 1 de junho de 2016
#73 Sentir
O
silêncio ocupava todo o espaço, tudo gravitava envolto nele. Uma sensação de
estranheza emergiu nela, como que deixasse de ter identidade, aquela que
pensava ser, parecia a ter abandonado. Um medo repentino irrompeu. Estaria a
ficar louca, indagava-se. De novo o silêncio levava a sua atenção. Agora uma
sensação de paz fazia-se sentir. Uma certeza de que tudo estava bem, que tudo
era perfeito, tal como era. Não sabia explicar por palavras, mas tudo fazia
sentido, tudo era pleno e só podia ser como era. As palavras, as expressões
eram pequenas demais para descrever tal certeza. Deixou-se sentir.
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