Escrever é um ato de carinho com as palavras
um dialogo interno ao encontro de si, ao encontro do eu.
Perder a noção do tempo
entregar-se ao deambular sem rumo
navegando nas ideias.
Palavras são pegadas na areia do existir
e são levadas pelo vento da ilusão
elevando cada momento de eternidade contido no aqui e agora.
A escrita ocorre em mim
ela escreve-me ditando as palavras
que formam um texto
que incorporam um sentido
num mundo sem sentido invertido dentro de si.
O escrever acontece em mim
escolhe-me para comunicar para lá dos limites do eu.
A escrita leva-me para lá da ilusão
mergulhando na estória pequenina
celebrando a vida que é
a vida que sou.
Só isso.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
#53 Reflexo
"A Sara pare um momento e observe esses pensamentos que surgem. Perguntou será isto a loucura, essa pergunta é mais um pensamento que surge nesse espaço ilimitado de consciência que é. Todas essas dúvidas que surgem são pensamentos e mais pensamentos. E estes são intermináveis pois continuam sendo alimentados pela sua atenção. Parando de os alimentar eles continuarão a surgir, mas aquilo que muda é a sua relação com eles. E progressivamente terá mais atenção para aquilo que é a verdade, para a essência que é. Só conhecendo quem é de verdade poderá cessar essa busca continua por saber, por saber mais. Enquanto não conhecer quem é de facto a busca não cessa, pois a cada resposta novas dúvidas se levantam."
" Pois entendo aquilo que me diz, faz todo o sentido para mim. Mas quando é que eu verei as coisas desse modo? O que mais preciso de fazer para lá chegar?"
" Na realidade não precisa de fazer nada. O momento em que o pode fazer, respondendo à sua questão, esse momento é agora. Neste momento, se estiver disposta a abandonar todas as barreiras, a quebrar todos os porquês. Eu poderei apontar-lhe o caminho, mas é a Sara que o tem de percorrer, mais ninguém o fará por si."
" Okay, estou disponível para o fazer."
"Quem é que está disponível para o fazer?"
" Eu, eu estou disponível para o fazer agora."
" Eu quem?" Onde está esse eu? Pode-me mostrar?"
"Pois voltamos ao mesmo." Fazendo uma pausa silenciosa acompanhada de um suspiro ela continuou dizendo, " sim, já me disse que este eu é uma mera ideia, um pensamento. Que não o encontro em lugar algum. E de facto assim é, não o consigo mostrar. E então o que vem depois disso?"
" Nada, não vem nada. Já está aqui tudo o que tem de estar. O que julga faltar e que espere que possa chegar?"
"Falta a certeza, o sentir que sou iluminada. Ter essas experiências que muitos já relataram de êxtase, de amor incondicional. É isso que me falta e que tanto desejo."
"Olhe com atenção, mergulhe dentro de si. Isso são mais pensamentos a debitar na sua atenção. Criou uma estória sobre o que será ser iluminada e criou expectativas que espera que sejam cumpridas. E como não chega essa experiência imaginada, vai duvidando mais e mais. E como acrescento nessa estória "criou" as provas de que são reais através da suposta experiência de outras pessoas."
Interrompendo-o Sara diz, " Então como faço para discernir os pensamentos que surgem daquilo que sou eu de verdade?"
"Quem é que tem de fazer o quê?"
"Eu, pois... já sei o que vai dizer..."
"Pergunto-lhe quem é que está a ouvir neste momento os pensamentos?"
"Quem é que está a ouvir os pensamentos!!! Nunca tinha pensado nisso desse modo." E depois irrompe numa gargalhada sonora. "Lá está, nunca tinha pensado nisso. O pensamento sempre presente."
" Para haver pensamentos tem de haver quem o ouça, quem o rececione. É ai que se encontra, não nas roupagens que se habitou a crer ser as suas, mas sim quem é em essência. Os pensamentos surgem nesse espaço ilimitado. Fazendo auto-inquérito liberta espaço em redor dos pensamentos e repara que não é esses pensamentos, mas sim quem está atento a eles, quem os ouve. Mas investigue por si."
" Sim enquanto ouvia o que falava, um pensamento dizia isso é tudo tretas e de seguida outro dizia será possível que contenha verdade em tudo isto. E no entanto eu consegui observar esses pensamentos como se fossem algo que aparecia à minha frente, mas que não era eu. Esta é uma sensação estranha assim de repente."
" E no entanto tudo isso que referiu são mais pensamentos sobre pensamentos. Todas essas classificações, essas suposições são mais ideia, mais pensamentos. Observe apenas como surgem, procure os espaço entre pensamentos. De início pode parecer difícil reparar nos espaços mas se se focar começará a tomar atenção nos mesmos e eles parecem que aumentam a sua duração. E verá que tal como uma tela de cinema não se altera independentemente do filme que lá seja projetado. O espaço ilimitado que é não se altera independentemente dos pensamentos e experiências que aí ocorram."
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
#52 Reflexo
" A Sara tem dois grandes caminhos que pode seguir neste momento e seja qual for a sua escolha é a certa para este momento, pois será a opção que toma. Um caminho é continuar nessa busca por se encontrar, nessa busca por saber mais, adquirir mais conhecimentos, mais experiências. E terá sempre coisas novas para aprender, para experimentar. Esse caminho representa escolher continuar alimentando essa ideia limitada de si, é a escolha do ego, da defesa da personalidade que acredita ser. O outro caminho que tem neste momento como possibilidade é deixar partir essa ideia de limitação e escolher experienciar quem é de verdade, quem é em essência. Sabendo que essa escolha representa algo que já existe em si neste momento, que já o é agora. Não é algo que tenha de esperar por qualquer evento que tenha de acontecer ou que tenha de fazer. Mas sim é aquilo que é em essência agora. E se me perguntar quais as consequências de escolher um caminho ou outro. Eu lhe direi que verdadeiramente nada muda, aquilo que muda é a sua relação com esta experiência humana, é a sua relação consigo mesma. Deixe que surja em si naturalmente a escolha do caminho que irá tomar. Permita-se ouvir a sua intuição, o seu coração e a resposta surgirá."
Fechando os olhos e concentrando-se na sua respiração, a Sara mergulhava dentro de si, procurando sentir, procurando que ganhasse vida a resposta certa para si neste momento. E por momentos que pareceram eternos, o silêncio imperou naquela sala apenas o pulsar de dois seres frente um ao outro tinha lugar.
O silêncio findou pela palavra da Sara, "parte de mim quer fazer a escolha certa, sendo que de igual modo um medo se faz sentir vivamente mostrando-se presente, dizendo que só saberei quem sou continuando a busca e não desistindo de mim. Quer me fazer crer que a minha personalidade é quem sou de verdade e que a devo proteger, pois de outro modo será o meu fim, será a minha morte. E no entanto deixando esse medo repousar em mim... senti que havia algo mais para lá desse medo... algo que estava ciente desse medo. Quando isso ocorreu uma sensação de paz arrebatou a minha atenção e naturalmente a ideia de que caminho escolher se apresentou e com uma certeza que medo algum poderá contestar. E essa escolha diz-me que é a hora de me conhecer de verdade, que é agora que essa escolha é feita. Escolho deixar partir todas as limitações, quebrar todas as barreiras construídas em torno da defesa de uma ideia ilusória de mim. Será isso a morte? Será isso o fim de algo e o início de outra coisa qualquer? Não sei, mas sei que o que quer que seja, eu estou preparada para o fazer ou permitir que aconteça. Sim , sem dúvida é essa a minha escolha."
"De verdade a escolha fez-se por si mesma. A escolha surge, mas não há uma pessoa que escolhe. É isso que irá realizar por si mesma ao "escolher" esse caminho. Como lhe perguntei anteriormente consegue-me apontar onde está a Sara? Consegue-me mostrar a Sara? Não responda de imediato deixe que a pergunta se faça sentir em si e veja o que surge. Torne ciente as sensações que surgem, os pensamentos que se apresentam"
"Surgem imensos pensamentos, que dizem que é isto aqui- apontando para o corpo- que sou, que é a Sara. Pensamentos que me dizem que tenho 32 anos, que vivo na Maia, que me lembram quem são os meus pais. E quando procuro ir além do que isso aquilo que surge é apenas uma sensação de desconforto."
"Observe apenas esses pensamentos, não resista aos pensamentos, deixe que fluam. Tal como as sensações que surgem no corpo, permita-se observar. Sem julgar, sem tentar classificar de imediato, sem colocar uma etiqueta dizendo é isto ou aquilo. Apenas esteja presente."
" Surgem mais pensamentos e que me dizem que nada disto faz sentido, que devo por um fim a esta palhaçada e ir embora. Outros surgem e dizem que é o medo a falar, que nada disto é real, que isto não é o fim de nada. E por momentos quando me identifico com esses pensamentos todos o que resulta é confusão. Um emaranhado. Sinto como que um novelo na minha mente. Será isto a loucura?"
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Vida vivida
Gotas de vida caindo das nuvens,
há quem lhe chame chuva.
Raios de sol aquecendo o teu rosto
numa manhã de inverno.
Uma brisa que leva a passear as folhas caídas no chão.
O som do sorriso de uma criança preenchendo o coração dos seus pais.
Fluindo ao sabor da vida,
sempre presente,
sempre pleno.
Por vezes triste,
por vezes zangado.
Alegre viver na imensidão do sentir.
Essência feliz procurando se reconhecer
nos limites pequenos de um ser humano.
Pequeno nos limites, grande no coração.
Viver é sentir,
é deixar partir aqueles que se ama,
deixando que voltem quando quiserem,
levando-nos consigo onde quer que vão,
ficando sempre aconchegados em nós mesmo que ausentes em presença.
Deixar a vida ser vivida em mim, em ti,
tal como ela é.
Vida vivida nunca é perdida.
há quem lhe chame chuva.
Raios de sol aquecendo o teu rosto
numa manhã de inverno.
Uma brisa que leva a passear as folhas caídas no chão.
O som do sorriso de uma criança preenchendo o coração dos seus pais.
Fluindo ao sabor da vida,
sempre presente,
sempre pleno.
Por vezes triste,
por vezes zangado.
Alegre viver na imensidão do sentir.
Essência feliz procurando se reconhecer
nos limites pequenos de um ser humano.
Pequeno nos limites, grande no coração.
Viver é sentir,
é deixar partir aqueles que se ama,
deixando que voltem quando quiserem,
levando-nos consigo onde quer que vão,
ficando sempre aconchegados em nós mesmo que ausentes em presença.
Deixar a vida ser vivida em mim, em ti,
tal como ela é.
Vida vivida nunca é perdida.
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
#51 Reflexo
O seu rosto anguloso permanecia quieto, enquanto os seus olhos deambulavam pelo rosto do Ricardo, sorvendo as suas palavras e deixando-se envolver nessa corrente de energia que tudo envolvia. Não sabia explicar as sensações que a perpassavam, o tempo como que se encontrava suspenso, sentia que vagueava entre os sons emitidos pela voz daquele ser sentado em frente a si. E a frase final trouxera-a ao presente.
"É algo que posso escolher agora?". Indagava a Sara. " Se dependesse apenas da minha escolha, então sem dúvidas é isso que quero... é o que mais quero. Mas julgo que não depende só de mim. Ou depende?"
"Depende só de si permitir-se relembrar quem é, pois de facto não pode deixar de o ser. Por muitos conceitos que inundem a sua atenção e se estabeleçam na sua mente. Nenhum deles atinge a essência. Essa ideia limitada de si, pode, se para isso estiver preparada e se fizer parte desta sua experiência humana, relembrar quem é de verdade. Aquilo que eu posso fazer é apenas apontar o caminho dentro de si. Sou um mero reflexo da sua essência indicando o caminho de regresso a casa. E fazendo esse caminho aquilo que descobrirá será que nunca deixou de estar em casa, apenas uma ilusão de separação fez crer que esteve longe, que esteve separada."
" O que preciso de fazer então para que possa relembrar quem sou de verdade? Relembrar esse caminho de regresso a casa?"
" E quem é que quer regressar a casa? Quem é essa pessoa?"
" Sou eu a Sara."
" Muito bem. Mostre-me onde está a Sara?"
Surpreendida com a questão que o Ricardo lhe colocou e fazendo uma expressão de que era óbvia a resposta apontou para ela mesma respondendo, "aqui, eu estou aqui!!"
" Isso é o corpo, quero que me mostre onde está a Sara."
Vendo a insistência na pergunta e num gesto automático apontou para a sua cabeça e disse, " está aqui na minha cabeça."
" Aí está a cabeça e dentro está o cérebro. Mas continuo sem ver a Sara. Consegue-me mostrar a Sara?"
" Para mim isto é a Sara, o meu corpo, o meu cérebro. É isto que é a Sara, de outra forma não sei como responder."
"Por um momento procure deixar de lado esses conceitos, essas ideias que tem sobre quem é. Sobre ser esse corpo e essa personalidade que se habituou ser a Sara. Imagine, por um momento e depois se quiser volte aos conceitos que tem arreigados sobre ser a Sara. Como é essa sensação de ser a Sara, sem esses conceitos. Será que há alguém a fazer de Sara, ou ela existe por si só sem esses conceitos. O que surge em si, deixe-se experienciar antes de responder."
Mergulhando no silêncio a Sara estava perscrutando essas sensações, esses conceitos dentro de si, procurando encontrar uma resposta ao desafio colocado. Poderia encontrar a Sara fora dos conceitos que sempre tivera como verdadeiros, como sendo quem era. Ela sabia que era mais do que apenas um corpo, tinha aprendido isso mesmo ao longo desta sua caminhada de autoconhecimento. Mas aquilo que lhe era pedido agora era diferente e isso deixava-a algo inconfortável.
"Julgo perceber a sua questão. Eu sei que somos mais que um corpo, somos espírito a viver uma experiência humana. Já li bastante sobre estes assuntos e para mim isso faz sentido que seja assim. Eu percebo intelectualmente tudo isso, mas de outra forma não consigo responder ao que me refere."Fazendo uma breve pausa, continuou dizendo, "E para ser sincera causa-me algum desconforto ao tentar deixar de lado os conceitos, como lhe chamou, relativamente a quem sou."
" Okay, observe esse desconforto. Procure apenas observar essas sensações que surgem, sem as julgar. Procure apenas observar. Existe alguém a sentir esse desconforto ou o desconforto aparece só por si? Veja o que surge, sem forçar uma resposta."
"Sinto desconforto, mas não sei explicar de que forma ele se manifesta em mim. Há algo que me diz que tudo isso faz sentido, eu percebo isso, parece-me lógico... óbvio até isso que me diz. Só que me permitir ir ao encontro disso, ver para lá daquilo que tenho como sendo quem sou. Isso não sei se sou capaz de o fazer."
"Muito bem e na verdade eu não estou a pedir que acredite naquilo que lhe estou a dizer. Não tenho intenção que some mais um conceito a todos aqueles que já possui. Aquilo que eu lhe estou a apontar é via experiência direta. Vou-lhe dar um exemplo. Imagine que não sabe o que é uma laranja. Se eu lhe falar de uma laranja, se lhe disser tudo o que há para saber de uma laranja, se a descrever, desde a sua textura, cor do sumo que possui, qual o seu sabor e todas as receitas possíveis de usar a laranja. A Sara poderá aprender tudo o que há para saber de uma laranja, intelectualmente saberá o que é uma laranja, crê que sabe e até poderá ensinar outras pessoas sobre o que é uma laranja. Estará no entanto apenas a papaguear aquilo que ouviu e leu. Só poderá conhecer o que é uma laranja após comer uma laranja, só através da experiência direta saberá o que é para si uma laranja. E é isso que lhe estou a propor, é a isso que lhe estou a apontar. Conhecer quem é de verdade através da experiência direta e não apenas intelectualmente, apenas baseado em teoria. Esta pode ser muito útil, como preparação, mas não substitui a vivência do real."
"É algo que posso escolher agora?". Indagava a Sara. " Se dependesse apenas da minha escolha, então sem dúvidas é isso que quero... é o que mais quero. Mas julgo que não depende só de mim. Ou depende?"
"Depende só de si permitir-se relembrar quem é, pois de facto não pode deixar de o ser. Por muitos conceitos que inundem a sua atenção e se estabeleçam na sua mente. Nenhum deles atinge a essência. Essa ideia limitada de si, pode, se para isso estiver preparada e se fizer parte desta sua experiência humana, relembrar quem é de verdade. Aquilo que eu posso fazer é apenas apontar o caminho dentro de si. Sou um mero reflexo da sua essência indicando o caminho de regresso a casa. E fazendo esse caminho aquilo que descobrirá será que nunca deixou de estar em casa, apenas uma ilusão de separação fez crer que esteve longe, que esteve separada."
" O que preciso de fazer então para que possa relembrar quem sou de verdade? Relembrar esse caminho de regresso a casa?"
" E quem é que quer regressar a casa? Quem é essa pessoa?"
" Sou eu a Sara."
" Muito bem. Mostre-me onde está a Sara?"
Surpreendida com a questão que o Ricardo lhe colocou e fazendo uma expressão de que era óbvia a resposta apontou para ela mesma respondendo, "aqui, eu estou aqui!!"
" Isso é o corpo, quero que me mostre onde está a Sara."
Vendo a insistência na pergunta e num gesto automático apontou para a sua cabeça e disse, " está aqui na minha cabeça."
" Aí está a cabeça e dentro está o cérebro. Mas continuo sem ver a Sara. Consegue-me mostrar a Sara?"
" Para mim isto é a Sara, o meu corpo, o meu cérebro. É isto que é a Sara, de outra forma não sei como responder."
"Por um momento procure deixar de lado esses conceitos, essas ideias que tem sobre quem é. Sobre ser esse corpo e essa personalidade que se habituou ser a Sara. Imagine, por um momento e depois se quiser volte aos conceitos que tem arreigados sobre ser a Sara. Como é essa sensação de ser a Sara, sem esses conceitos. Será que há alguém a fazer de Sara, ou ela existe por si só sem esses conceitos. O que surge em si, deixe-se experienciar antes de responder."
Mergulhando no silêncio a Sara estava perscrutando essas sensações, esses conceitos dentro de si, procurando encontrar uma resposta ao desafio colocado. Poderia encontrar a Sara fora dos conceitos que sempre tivera como verdadeiros, como sendo quem era. Ela sabia que era mais do que apenas um corpo, tinha aprendido isso mesmo ao longo desta sua caminhada de autoconhecimento. Mas aquilo que lhe era pedido agora era diferente e isso deixava-a algo inconfortável.
"Julgo perceber a sua questão. Eu sei que somos mais que um corpo, somos espírito a viver uma experiência humana. Já li bastante sobre estes assuntos e para mim isso faz sentido que seja assim. Eu percebo intelectualmente tudo isso, mas de outra forma não consigo responder ao que me refere."Fazendo uma breve pausa, continuou dizendo, "E para ser sincera causa-me algum desconforto ao tentar deixar de lado os conceitos, como lhe chamou, relativamente a quem sou."
" Okay, observe esse desconforto. Procure apenas observar essas sensações que surgem, sem as julgar. Procure apenas observar. Existe alguém a sentir esse desconforto ou o desconforto aparece só por si? Veja o que surge, sem forçar uma resposta."
"Sinto desconforto, mas não sei explicar de que forma ele se manifesta em mim. Há algo que me diz que tudo isso faz sentido, eu percebo isso, parece-me lógico... óbvio até isso que me diz. Só que me permitir ir ao encontro disso, ver para lá daquilo que tenho como sendo quem sou. Isso não sei se sou capaz de o fazer."
"Muito bem e na verdade eu não estou a pedir que acredite naquilo que lhe estou a dizer. Não tenho intenção que some mais um conceito a todos aqueles que já possui. Aquilo que eu lhe estou a apontar é via experiência direta. Vou-lhe dar um exemplo. Imagine que não sabe o que é uma laranja. Se eu lhe falar de uma laranja, se lhe disser tudo o que há para saber de uma laranja, se a descrever, desde a sua textura, cor do sumo que possui, qual o seu sabor e todas as receitas possíveis de usar a laranja. A Sara poderá aprender tudo o que há para saber de uma laranja, intelectualmente saberá o que é uma laranja, crê que sabe e até poderá ensinar outras pessoas sobre o que é uma laranja. Estará no entanto apenas a papaguear aquilo que ouviu e leu. Só poderá conhecer o que é uma laranja após comer uma laranja, só através da experiência direta saberá o que é para si uma laranja. E é isso que lhe estou a propor, é a isso que lhe estou a apontar. Conhecer quem é de verdade através da experiência direta e não apenas intelectualmente, apenas baseado em teoria. Esta pode ser muito útil, como preparação, mas não substitui a vivência do real."
sábado, 18 de janeiro de 2014
#50 Reflexo
Sara dava inicio a uma nova sessão com o Ricardo partilhando os seus desejos, aquilo que era a sua vontade, dizendo o seguinte:
"Sabe Ricardo, todo este processo que iniciei de autodescoberta, de conhecer quem sou de verdade e a realidade em que estou inserida. E que tanto me tem ajudado a entender, a evoluir nesse processo. Chegou a um ponto em que me vejo a desejar mais. Aquilo que quero de verdade é despertar. Ter as mesmas experiências que outros já tiveram e que li em livros e vídeos que vi na net, relatos dessas experiências. É isso que eu desejo para mim, despertar de verdade deixar de sofrer, de me preocupar tanto e ser livre de verdade. Sem preocupações, sem limitações. Será que poderei conseguir atingir esse nível, como o dessas pessoas que são iluminadas? Estarei habilitada a tal desiderato? Ou só algumas pessoas é que tem a capacidade de tal?"
Olhando-a nos olhos permanecendo em silêncio, Ricardo fez uma pausa antes de responder.
" É esse desejo de ser mais do que é neste momento que a impede de tomar consciência que já é tudo aquilo que deseja ser e muito mais do que isso. Pois aquilo que é a essência de todos nós não pode ser contido em nenhum conceito. As palavras são insuficientes para o explicar. Essa sensação de falta que a leva a querer ser iluminada, a desejar despertar tem origem numa ideia de si. Acredita ser essa personalidade que se habituou a ser, tal como lhe foi ensinado a ser desde criança. A noção de eu surge por volta dos dois anos de idade. Nessa idade a criança assume a sua personalidade, reconhecesse pelo nome que lhe foi dado, reconhecesse como separada dos outros e que tem de interagir com eles. Ela percebe que o que faz causa efeitos nos outros. E vai cimentando essa ideia de si ao longo dos tempos, tratasse de um conjunto de ideias que se repetem continuamente e que se colam à pele de cada um. Até que exista apenas essa personalidade, que depois se vê como o centro de uma estória e por vezes é líder da sua estória, outras vezes é vítima dos outros e das circunstâncias. Isto acontece com a Sara, como com qualquer ser humano, depois de acordo com o nível de consciência e a preparação para tal pode-se dar aquilo a que normalmente se chama o despertar. Este despertar não é mais do que relembrar que somos mais que apenas um corpo e a personalidade que lhe está adstrita., que aconteça o que acontecer nesta experiência humana a essência que somos continua sendo perfeita e imutável como é. No entanto existe muita ilusão relativamente ao despertar, isto porque o ego, que é essa ideia limitada de nós, ele quer manter o controle. O ego não quer deixar de existir e uma das formas que ele encontra para manter o seu jogo, de busca mas não encontres, é também através dessa busca espiritual. Criando uma ideia de objetivo a alcançar um estado de iluminação, de perfeição do ser melhor que todos os outros que ainda não despertaram. Isso é puro ego, que se perpetua reforçando a ideia de separação. Essa ideia de perfeição onde o sofrimento e todos os problemas terminam, onde apenas a alegria esfuziante persiste. Com isso são criadas expectativas sobre o que é o despertar, sobre o que é atingir a iluminação que na verdade nunca serão atingidas. Tal como é o objetivo do ego. Dito isto, quero dizer que o ego não é o inimigo, que ele não é um obstáculo. Só o será se se deixar limitar nessa ideia, o ego é um instrumento, é se quiser um programa que permite funcionar nesta dimensão. No entanto há algo que usa esse programa, algo que é anterior a esse programa, a essa ideia de limitação. Esse algo é quem somos em essência. E podemos a qualquer momento escolher ser quem somos de verdade, a vermos para lá da ilusão que, enquanto humanos, cremos ser a nossa realidade, a nossa natureza. A iluminação só terá utilidade aqui nesta dimensão para os humanos, pois a nossa essência sendo perfeita nada necessita. E ser iluminado enquanto humanos significa aceitar e vivenciar o presente tal como ele é com desapego. Ou seja, este desapego não implica que deixe de se importar com a realidade em que vive, mas sim que sabe que essa realidade não a define, não belisca o que quer que seja a essência. Ficando assim desse modo livre para experienciar tudo o que tiver de experienciar, tal como se apresentar, tal como é, sem desejar que seja outra coisa qualquer de diferente."
"Tudo isso que disse como eu desejo que seja assim para mim.- disse com um suspiro- Como desejo ver desse modo. Será que alguma vez o conseguirei?"
" Sim consegue, porque de verdade já o conseguiu. Não é algo que tenha de alcançar, mas sim, de se permitir reconhecer que assim é. E pode consegui-lo agora se desejar. É uma escolha sua."
sexta-feira, 17 de janeiro de 2014
#49 Reflexo
Não importam os pensamentos que surgem, eles tem apenas a relevância que lhes prestamos. Quem somos de verdade enquanto esse pensamentos abordam a nossa atenção, que liberdade permitimos que tenham para pintar a nossa realidade. Em rédea solta os pensamentos dominam a noção do eu, constituem-se nessa personalidade que nos habituámos a crer ser quem somos. Ela alimenta-se de memórias que servem de referência para aquilo que julgamos viver no presente. Sendo que este quando visto pelo prisma do passado é apenas uma mera recreação e não aquilo que é a verdade do momento presente. Uma ilusão de vida se cria e se perpetua dentro de si, até que o despertar ocorra e a ilusão se desvaneça. Esse despertar pode assumir múltiplas formas e ocorre quando cada um de nós estiver preparado para que ocorra, quando tivermos a capacidade de lidar com as consequências de deixar partir a dormência que faz deambular pela realidade que tínhamos como nossa.
A Sara estava a entrar nessa fase em que o despertar da dormência podia ocorrer, pois estava preparada para deixar cair a máscara de limitação associada a essa personalidade, sem com isso perder o chão que lhe permite experienciar a essência nesta dimensão humana. Ainda que ela não tivesse consciência dessa preparação a realidade estava prestes a dar-lhe provas dessa preparação. E isso iria ocorrer na sessão seguinte com o Ricardo, que assumia o papel de despoletar o dissipar da ilusão da Sara.
A Sara estava satisfeita com o resultados que vinha conseguindo desde que começara as sessões individuais com o Ricardo, sentia que tinha alguém ao seu lado que a compreendia e que podia ajudar a encontrar as respostas que surgiam, pois a cada resposta novas dúvidas emanavam. Dúvidas essas que levavam a uma incerteza sobre o significado de tudo isso, que faziam pensar sobre a interminável busca. Ela interrogava-se se algum dia teria paz, verdadeira paz. Mas a cada sessão uma certeza crescia em si que lhe garantia que estava mais próxima de se encontrar, de se conhecer de verdade. Sem máscaras, sem limites, sem enganos.
A verdade é simples aquilo que a complica é a relação que cada um tem com ela. Por si só ela continua sendo imutável, nada a dispersa ou contrai. Já a verdade de cada personalidade é volátil, varia a cada momento. O que hoje é verdade amanhã pode deixar de o ser. E existem tantas verdades dentro de uma mesma pessoa e de pessoa para pessoa, que perder o tempo e energia a defender estas supostas verdades, é meramente uma ilusão de utilidade.
No entanto isso faz parte do jogo do ego, esse jogo de busca mas não encontres. Jogo esse que é adaptável ao nível de consciência de cada pessoa, que se molda por forma a manter o seu controle, por forma a alimentar a ilusão de possibilidade de escolha que é dada a cada pessoa nesta realidade humana. Este jogo do ego é parte relevante desta experiência humana e por si só não afeta a essência, ele é parte relevante da presença nesta dimensão.
Ao despertar da dormência o jogo do ego continua a existir a única coisa que muda de verdade é a forma como cada um desperto se permite jogar o jogo. Passa-se a desfrutar de cada momento do jogo, pelo que ele é, sabendo que nada do que aconteça condiciona o que quer que seja a essência. Assim libertos de temores com desapego pelas consequências, podemos nos entregar para vivenciar plenamente tudo o que se manifesta nesse espaço aberto de consciência que serve de palco a esse jogo.
No entanto isso faz parte do jogo do ego, esse jogo de busca mas não encontres. Jogo esse que é adaptável ao nível de consciência de cada pessoa, que se molda por forma a manter o seu controle, por forma a alimentar a ilusão de possibilidade de escolha que é dada a cada pessoa nesta realidade humana. Este jogo do ego é parte relevante desta experiência humana e por si só não afeta a essência, ele é parte relevante da presença nesta dimensão.
Ao despertar da dormência o jogo do ego continua a existir a única coisa que muda de verdade é a forma como cada um desperto se permite jogar o jogo. Passa-se a desfrutar de cada momento do jogo, pelo que ele é, sabendo que nada do que aconteça condiciona o que quer que seja a essência. Assim libertos de temores com desapego pelas consequências, podemos nos entregar para vivenciar plenamente tudo o que se manifesta nesse espaço aberto de consciência que serve de palco a esse jogo.
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
#48 Reflexo
A vida é simples tal como é, pois ela é plena, ela é tudo. A vida é o absoluto. Todas as manifestações que ocorrem no absoluto são relativas, são mutáveis. Tudo passa, tudo se transforma. A vida continua sendo como é em cada uma das suas manifestações.O significado da vida encontra-se em cada momento, é aquilo que ocorre em cada momento. Cada ser humano é uma manifestação da vida, é uma experiência de vida a experienciar-se a si mesma. Através da limitação, do esquecer da verdade da essência, cada ser humano pode viver através dos contrastes a descoberta da sua essência. E estando presentes no momento presente estaremos a realizar-nos enquanto humanos. Nada podemos acrescentar àquilo que somos em essência. É só através de uma ideia de perda do que somos que iremos descobrir e valorizar tudo aquilo que somos. Enquanto humanos temos muitas dessas experiências em que após a perda de algo que tínhamos como garantido é que atribuímos o devido valor ao que tínhamos. Estas experiências são a vida que somos a dialogar connosco, por forma a que possamos despertar e desfrutar em pleno cada momento desapegados da ideia de posse, da ideia de especialidade.
Por vezes é necessária fazer uma longa caminhada de busca para concluirmos que tudo aquilo que procurávamos sempre esteve connosco no ponto de partida. E isso não significa que tudo tenha sido em vão, mas sim que era a experiência necessária, a preparação para que se revelasse em nós o esplendor da nossa essência.
Tudo aquilo que temos como verdadeiro para nós, como real é ilusório. E esta ilusão não significa que não seja real, mas sim que não é aquilo que pensamos que é. Aquilo que temos como real é apenas uma perceção nossa, uma interpretação daquilo que é e não aquilo que é de verdade.
E que seja assim faz parte da experiência humana e do processo de redescoberta da essência e não é bom ou mau por si só. Será um ou outro de acordo com o apego que colocarmos a cada uma dessas experiências. Descobrimos que somos iluminados na medida em que desfrutamos com desapego da realidade em que estamos inseridos.
O desapego significa que não nos limitamos a conceitos, que todas as barreiras que criamos ao longo da história pessoal de cada um se desvanecem e desse modo relembramos que tudo aquilo que julgávamos faltar na verdade sempre existiu em nós, é quem somos. Já somos tudo aquilo que poderíamos desejar ser e descobrimos isso quando deixamos de desejar ser diferentes daquilo que somos e daquilo que já existe na nossa realidade. As dificuldades e problemas que existem na realidade de cada um de nós é resultado desse desejo de que as coisas sejam diferentes daquilo que são e dai resulta desconforto, resulta dor, resulta sofrimento.
E no entanto a realidade ganha sempre, leva sempre a melhor, porque é aquilo que é. Não poderia ser de outro modo, pois é o que acontece. Se acontece é perfeito que aconteça e estando presentes para aquilo que é seremos guiados ao melhor de nós em cada momento, com a certeza de que aconteça o que acontecer nada pode beliscar a essência que somos.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
sábado, 11 de janeiro de 2014
Almejo de significância
Cair do pedestal de ilusão
acordar para a verdade deste momento
só este existe, se é para conhecer a verdade
ela está aqui e agora.
A verdade é aquilo que cada um de nós é
ela está sempre presente
ela é anterior a qualquer ideia
serve de amparo para qualquer ideia
e sobrevive para lá de cada ideia.
Escolher uma ideia é escolher uma limitação
e no entanto isso não é possível,
nada pode limitar a verdade
esta não pode ser contida em nenhum recipiente,
em nenhuma embalagem
em nenhum conceito.
A verdade perde o seu sentido
no encontro com o absoluto.
A verdade é uma mera aproximação ao absoluto
sem nunca o alcançar
é um almejo de significância
num oceano de impermanência.
acordar para a verdade deste momento
só este existe, se é para conhecer a verdade
ela está aqui e agora.
A verdade é aquilo que cada um de nós é
ela está sempre presente
ela é anterior a qualquer ideia
serve de amparo para qualquer ideia
e sobrevive para lá de cada ideia.
Escolher uma ideia é escolher uma limitação
e no entanto isso não é possível,
nada pode limitar a verdade
esta não pode ser contida em nenhum recipiente,
em nenhuma embalagem
em nenhum conceito.
A verdade perde o seu sentido
no encontro com o absoluto.
A verdade é uma mera aproximação ao absoluto
sem nunca o alcançar
é um almejo de significância
num oceano de impermanência.
sexta-feira, 10 de janeiro de 2014
quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
#47 Reflexo
Daniela saíra da sua sessão com o Ricardo com uma sensação de diferença sobre tudo aquilo que julgava ser. Sentia que estava em causa tudo aquilo que tinha como certo para si. Todas as certezas sobre manter o controle relativo à sua pessoa e ao que permitia que lhe afeta-se, estavam agora em causa. Nada do que lhe parecia permanente continuava a beneficiar dessa certeza. A necessidade de controle deixava de ser uma necessidade e essa diferença que sentia induzia uma sensação de bem-estar.
Pela primeira vez o não saber o que seria o momento seguinte e como o controlar para evitar surpresas, era algo que não causava desconforto. Olhando para si aquilo que de verdade estava a mudar era a sua relação consigo mesma. Tudo ao seu redor continuava sendo como sempre foi, os olhos que olhavam para essas coisas, essas pessoas, é que haviam mudado. Era essa a única diferença.
Só que essa sensação de bem-estar perdura até ser testada de novo em contacto com a realidade em que cada um de nós se movimenta. Seja numa situação de trânsito em que um carro se atravessa à frente e nos faz perder as estribeiras. Seja um comentário de um colega ou familiar. As mudanças que percecionamos em nós são testadas por forma a reconhecermos se de facto ocorrem ou são apenas momentâneas.
Tudo o que acontece na nossa realidade espelha o mundo interior de cada um de nós e é precisamente as situações e pessoas que mais nos desagradam que melhor sinalizam até que ponto nos conhecemos de verdade. São a melhor ferramenta de autoconhecimento, pois a forma como lidamos com os outros, a forma como os tratamos nada tem a ver com o comportamento deles como somos levados a julgar à partida, mas sim, tem a ver connosco próprios. Temos depois dois caminhos passíveis de ser seguidos, ou escolhemos ser vítimas e culpar tudo e todos dos nossos infortúnios. Ou escolhemos fazer as pazes com a realidade, pois esta tem sempre razão. E aceitamos e aprendemos com tudo o que ocorre.
As escolhas que fazemos em cada momento serão sempre as adequadas ao nosso nível de consciência. E podemos sempre escolher de novo.
A Daniela continuou a ser importunada pelas mesmas coisas de sempre. Aquilo que despoletava a sua reação de agressividade e de defesa continuou a existir na sua realidade. No entanto ela tomou consciência de uma diferença que se revelou significativa e que era o tempo que ela se permitia estar submersa nesses conflitos, nas reações que permitia surgirem em si. Antes sempre que se via envolvida numa situação que desarranjava as suas emoções, que lhe revoltavam as entranhas; os seus pensamentos constantemente a faziam reviver essas situações, muito tempo após o término das mesmas. Agora no entanto quando ocorriam essas situações e após o término das mesmas ela conseguia se desligar da situação e ganhar uma perspetiva alargada da situação. O que lhe permitia aprender algo sobre si e a forma como reagiu, sendo um ganho que lhe permitia evitar ou pelo menos reduzir ao mínimo que se repetissem.
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
#46 Reflexo
" Sendo totalmente honesta consigo e comigo. De verdade o que mais temo é não saber lidar com toda esta situação. Mesmo passado todos estes anos, tenho para mim como sendo mais simples evitar lidar de frente com tudo isto e o impacto que tem tido na minha vida. Este medo de perda de controle, de perder a noção de quem sou e do que faço aqui. É esse medo que me impede de ser feliz e de procurar concretizar o desejo de ser mãe." Assim falou Daniela ao Ricardo. Este respondeu dizendo: "Daniela tem a certeza absoluta que não tem lidado com a situação?"
"Tenho, porque é..." Sendo interrompida pelo Ricardo, "responda-me apenas sim ou não. Tem a certeza absoluta que não tem lidado com a situação?"
"Colocada dessa forma, eu diria que não. Não tenho lidado com a situação, que o medo me tem impedido de agir. Que tenho optado por de certa forma fugir da situação."
"Ok, então admitindo que essa sua resposta é a verdade, como se sente acreditando que assim é?"
" Eu sinto-me mal comigo mesma. Sinto vergonha por não ser capaz de lidar com a situação de outra forma. Sinto que deveria fazer algo mais para resolver a situação, contribuir para que a vida fosse mais fácil para a minha família. Sinto que não devia ser tão fraca, sempre com medo de me perder. Que esta necessidade de controle, de tentar direccionar a minha realidade limita a minha vida." Conclui a Daniela com a voz embargada em emoção.
"Por um instante imagine como seria a Daniela sem esses pensamentos, sem essa estória toda?"
Após um momento de silêncio que preencheu o espaço, ela arguiu, "a primeira impressão que me surge é a de liberdade. Sem todos estes pensamentos de medo que me condicionam há tanto tempo, que já nem recordo como era viver sem eles. A sensação que me surge é a de que seria livre. Sinto que se isso fosse possível, um peso imenso seria removido de cima de mim. Julgo que a minha vida seria muito diferente da atual. Poderia enfim construir a família que tanto desejo e que tudo fluiria simplesmente. Seria muito feliz se isso fosse possível de ocorrer."
" O que acha que impede que assim seja?"
" Aquilo que impede que assim seja...de verdade... não sei responder. Não sei o que impede que isso aconteça. A realidade dos factos, ou seja, isto é real. Existe na minha vida."
"Será que é real ou é apenas a sua perceção que o torna real para si? Ou seja, aquilo que eu lhe estou a dizer é que é a sua perceção da realidade que a faz desse modo. Sim existe a doença da sua irmã, nesta dimensão, mas a forma como reagiu a isso depende apenas de si. Essa sensação de falta de liberdade, esse medo de perder o controle e deixar de ser essa personalidade que acredita ser. Tudo isso foi criado por si e não tem comprovativo na sua realidade. São tudo suposições suas, são cenários criados na sua mente. Por um momento apenas observa esses pensamentos que surgem na sua mente, apenas observe sem os julgar."
Assim fez a Daniela, ela fechou os olhos e deixou-se mergulhar nos seus pensamentos, procurou apenas observar, sem julgar. E os pensamentos fluíam na sua mente, sem cessar uns atrás dos outros, numa cadência continua, eles desfilavam e ela apenas os observava. Aquilo que se fez notar foi a paz que sentiu, ela tornou ciente que sem resistência da sua parte, como sempre fez quando surgiam estes pensamentos na sua mente, sem essa resistência aquilo que ela notava era a paz que estava presente.
E de seguida partilhou isso mesmo com o Ricardo, descrevendo isso que sentia e como tudo ganhava uma dimensão diferente do que havia tido até ai. Ainda que não soubesse de que forma era diferente, mas era isso que ela sentia.
A sessão terminou com Ricardo recomendando que se permitisse repetir mais vezes esse exercício, de se permitir estar presente com os pensamentos que surgiam sem os julgar, sem os repelir. Apenas observando.
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
Inquietação
Procurar pela verdade e não a encontrar
inquietação gerada e não consolada
querer saber mais, nunca sendo suficiente
inquietação de ir mais além
sem saber onde é esse além
Tudo isso é uma mera ilusão
nada é aquilo que parece ser
aquele que atribui significado é uma ilusão de si mesmo
Inquietação de uma onda vibrando
fluindo ao sabor da vida
sendo tudo isso vida, sempre fluindo
Esse espaço ilimitado abraça essa inquietação
absorve-a no seu regaço, não a limita
não a recrimina, apenas a aceita como é
Inquietação em busca de si próprio
ao encontro daquilo que nunca deixou de ser
tudo o que o inquietava era mais uma onda
desse imenso oceano de vida fluindo.
Inquietação. Tudo passa
Silêncio
inquietação gerada e não consolada
querer saber mais, nunca sendo suficiente
inquietação de ir mais além
sem saber onde é esse além
Tudo isso é uma mera ilusão
nada é aquilo que parece ser
aquele que atribui significado é uma ilusão de si mesmo
Inquietação de uma onda vibrando
fluindo ao sabor da vida
sendo tudo isso vida, sempre fluindo
Esse espaço ilimitado abraça essa inquietação
absorve-a no seu regaço, não a limita
não a recrimina, apenas a aceita como é
Inquietação em busca de si próprio
ao encontro daquilo que nunca deixou de ser
tudo o que o inquietava era mais uma onda
desse imenso oceano de vida fluindo.
Inquietação. Tudo passa
Silêncio
quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
#45 Reflexo
"Sabe Daniela, a vida está a chamar por si. Dá-lhe em cada momento uma oportunidade de autodescoberta. A chance de se escolher em primeiro lugar e desse modo poder desfrutar em pleno de quem é em essência. E isto não significa ser egoísta. Ser egoísta é cuidar apenas de si, dos seus interesses, vendo-se como separada de todos os outros. Julgando-se melhor que todos os outros. Procurando apenas o seu ganho, ainda que ocorra à custa do bem-estar dos restantes. Já conhecendo quem é de verdade, cuidando do amor-próprio. Irá descobrir que tudo aquilo que julgava lhe faltar na verdade não falta, já é tudo aquilo que poderia desejar ser. Nada lhe falta, apenas uma ilusão de falta pode ocorrer. Mas mesmo essa ilusão serve para que possa despertar e valorizar ainda mais tudo aquilo que é e desfrutar em pleno a vida tal como ela é, tal como você é. Tal como cada ser humano é. Todos um em essência."
"Eu acredito naquilo que me diz, sobre quem sou, e acredito porque sinto que assim é. No entanto não posso ignorar tudo isto que se passa dentro da minha mente. Todos estes pensamentos, todas estas dúvidas que se adensam. Por cada resposta que julgo encontrar, muitas mais questões se levantam. Qual o significado de tudo isto? Porque é que a minha vida tem sido o que tem sido e qual o meu papel em tudo isto? São questões que me sobressaltam. Que me inquietam. Encontrarei alguma vez resposta a estas dúvidas. Poderei ter paz na minha vida?"
Respirando fundo lentamente, Ricardo respondeu de seguida:
" Todas essas dúvidas e a constante atenção que lhe atribui são a razão pela qual ainda não vislumbrou as respostas que procura. É essa procura que representa o maior obstáculo a encontrar a paz que refere querer para a sua vida. Toda a energia que despende em redor dessas questões poderia ser canalizada para permitir que a verdade que é se revelá-se, para que o autoconhecimento se torne no centro da sua atenção. Desse modo iria tornar consciente que já é tudo aquilo que procura ser. Que a paz que lhe parece faltar, já reside em si. É parte da sua essência. E que é anterior a todas as manifestações que borbulham no espaço aberto de consciência que é. Toda esta agitação interna projeta-se na realidade tida como externa e desse modo desvia-se a atenção do interior para as condicionantes externas. Entretendo-se em lidar com aquilo que acontece exteriormente sem lidar com a origem de todos esses efeitos. Isso acontece com a generalidade dos seres humanos. Enquanto vamos lidando com os acontecimentos externos estamos apenas a lidar com os efeitos e desse modo ignorando as causas que produzem esses efeitos. Só lidando com as causas, com as origens poderemos realmente lidar com os efeitos que dai resultam. E para lidar com as causas só indo dentro de nós o poderemos fazer. Nós somos as causas daquilo que ocorre na nossa realidade, esta é uma projeção do que ocorre dentro e depois se vê refletida fora." Olhando a Daniela nos olhos, continuou dizendo, " Isto não significa que somos culpados por aquilo que nos acontece. A questão aqui não é a culpa, mas sim responsabilidade. Somos responsáveis pelo que acontece na nossa vida. E responsável quer dizer, capazes de responder. Numa primeira fase enquanto não temos a plena consciência de sermos a causa daquilo que acontece na nossa vida, é importante sermos responsáveis pela mesma. Ou seja independentemente do que aconteça o que releva mais é a forma como reagimos ao que acontece. É a nossa resposta que ditará o que de bom ou mau iremos extrair daquilo que acontece."
" Está a dizer que fui responsável pela doença da minha irmã?"
" A Daniela não é responsável pela doença da sua irmã, isso tem a ver com a experiência dela enquanto humana. Aquilo que é sua responsabilidade é a forma como reage ao facto de a doença da sua irmã fazer parte da sua experiência humana. Aquilo que retira dessa situação. Pode escolher ignorar, fugir da situação, porque é difícil, porque lhe causa desconforto, dor. Ou pode escolher aprender aquilo que essa situação lhe está a ensinar. Pode-se permitir ver para lá da doença, porque a sua irmã em essência é una consigo, é perfeita como é. O que que seja a sua opção será a perfeita porque será aquela que estará preparada para tomar. No entanto a vida não desiste de si, nem de ninguém e aquilo que tiver de aprender, de experienciar ser-lhe-à dado a viver. Seja desta forma seja de outra forma qualquer."
" Sendo honesta direi que tenho escolhido mais evitar lidar com a situação do que olhá-la de frente. Creio que é o medo de que me aconteça o mesmo. Que eu perca a noção da realidade, de quem sou. E mergulhe num mundo irreal, imaginário. Aquilo que fiz em relação a esta situação foi tornar-me mais controladora de mim mesma. De certo modo evitando tudo o que pudesse mexer comigo emocionalmente. Procurando uma certa normalidade. Normalidade essa que por vezes mais parece um deixar de viver, como medo das emoções, com medo de sofrer e fazer sofrer os outros que me rodeiam." Desabafou a Daniela. Sentindo um certo alívio por puder dizer o que sentia livremente, sem receio de ser criticada, de ser julgada como má pessoa. Perante o Ricardo ela sentia essa liberdade. Sentia essa abertura de espírito para deixar cair todas as máscaras e ser apenas ela.
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